A Justiça segundo Deus
por

Rev. Eric Kayayan


Dezembro 2004

Na ocasião de nossas duas alocuções precedentes, falamos da justiça segundo Deus, insistindo primeiro sobre a justiça de Deus expressa em sua Palavra. Depois, durante a segunda transmissão, mostramos o lugar central de Jesus Cristo na obtenção da justiça para aqueles que vivem pela fé em sua obra de reconciliação. Mas também insistimos sobre o lugar central de Cristo na Criação, da qual Ele é o Senhor, acima de todo o principado e potestade. Nós aplicamos este artigo de fé à escala individual, familiar e à sociedade.

Nenhum indivíduo ou instituição pode querer exercer uma autoridade absoluta sobre outros indivíduos ou outras áreas de atividade, sob pena de estar usurpando um poder que pertence somente a Cristo, o qual só Ele pode delegar. No curso da história, às vezes, tais abusos de poder têm sido cometidos em nome de um Cristianismo que repudia, de diversas formas, o Senhorio de Cristo.
Vejamos primeiro como certos poderes religiosos podem substituir a Cristo.

Isso acontece quando uma ou duas pessoas, uma instância ou tradição religiosa pretende servir de mediadora entre Deus e o crente. O crente é levado a viver sua relação pessoal com Deus por procuração, por meio de alguém ou da instância religiosa em questão. Peguemos, por exemplo, o caso dos antepassados dentro da cultura africana. A presença e a invocação de seus ancestrais é, segundo essas tradições religiosas, absolutamente indispensável para se ter acesso a Deus. Um outro intermediário que usurpa o lugar de Jesus Cristo pode ser o sacerdote ou o feiticeiro, sem o qual o espírito dos antepassados não pode ser invocado. Às vezes, é toda uma cadeia de intermediários que ocupa o lugar da religião vivida diretamente na presença de Deus, sob seu olhar. Para o cristianismo bíblico, somente Cristo é Mediador, porque ele é a Palavra Encarnada de Deus, a imagem exata de Deus, como nós lembramos na ocasião de nossa última transmissão. O apóstolo Paulo exprime sem rodeios esta questão. Na primeira carta a Timóteo (cap. 2, verso 5), ele escreve: "porquanto há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem, o qual a si mesmo se deu em resgate por todos." Então, nenhum pastor, nenhum bispo, por mais notável que seja, pode servir de intermediário entre Deus e os homens. Quando isso acontece, vocês podem ter a certeza que uma forma de opressão, mais ou menos sutil, será exercida. Trata-se, então, de uma forma ilegal de dominação sobre os corações e espíritos. Jesus Cristo é colocado em segundo plano. Sua autoridade universal não é mais obedecida por aqueles que deveriam submeter-se e exercer seus ofícios em obediência ao mandato dele recebido.

Sua autoridade foi simplesmente usurpada. No lugar da liberdade espiritual oferecida por Cristo, liberdade que consiste em uma comunhão restaurada com o Deus três vezes santo, se cai numa forma de escravidão espiritual. A opressão pode se manifestar, por exemplo, nas pretensões de pastores ou bispos ou ainda de uma instituição religiosa, de dirigir todas as áreas da existência, como se tudo fosse de sua competência. Colocando-se como mediadores exclusivos entre Deus e os homens, eles se afundam em tarefas que não fazem parte de sua vocação, tarefas para as quais eles nem foram formados nem chamados por Deus, o qual rege todas as esferas da vida humana e chama uns para um tipo de serviço e outros para outro.

Quando, por outro lado, o Estado pretende servir de mediador entre Deus e os homens, ou seja, dominar sobre todos os ângulos da existência, está se falando de um estado totalitário, opressivo, que causa de injustiça em graus diversos. Nesse caso o Estado não deseja dar nenhuma satisfação a Deus. Para justificar sua ação, às vezes ele declara se apoiar sobre a vontade dos homens, mas com isso ele não se torna menos opressivo. O exemplo dos regimes comunistas nesse ponto é chocante. O Estado teve a pretensão de trazer a felicidade aos homens através do controle sobre suas vidas, mas de fato ele os escravizou e fez da vida organizada em sociedade, uma caricatura. Ele tornou-se um ídolo que tomou o lugar de Jesus Cristo; ele pretendia salvar a humanidade de suas misérias sem uma única referência ao único Deus que pode salvar suas criaturas. Às vezes acontece também que um Estado se diz cristão, mas começa a usurpar áreas que são próprias às igrejas: com o consentimento de cristãos passivos e surdos à vontade de Deus na área da educação, aquele Estado toma a iniciativa de confiar às escolas públicas sob sua direção o cuidado com a instrução bíblica ou catequética das crianças. A responsabilidade primordial das igrejas e dos pais quanto a isso não é mantida. Pais e igrejas deixam para a escola pública o dever de ensinar às crianças a Verdade revelada por Deus em sua Palavra. Logo, o Estado mistura a este ensinamento elementos ideológicos próprios, para fortalecer seu poder. Por meio do ensino dito religioso, ele doutrina as jovens gerações a que lhe sirvam, e cria confusão entre o que é de seu próprio interesse e aquilo que é do Reino de Deus. Um Estado como esse, sob a capa da instrução religiosa, cobre as injustiças flagrantes que comete, o que se torna de fato, um instrumento sutil de propaganda política.

A autoridade dos pais, criada por Deus para refletir sua autoridade de uma maneira justa e amável, pode também, quando abusiva, tornar-se fator de opressão e injustiça. Se os pais não se reconhecem responsáveis diante do Pai Todo-poderoso para o papel que lhes confiou, então tal autoridade, que não espera mais ter de dar satisfação a Deus, pode muito facilmente tornar-se despótica. Um ser humano decide arbitrariamente tudo que diz respeito à vida de outro, sob pretexto que ele ou ela são os pais do outro.

A exploração sexual (infelizmente tão divulgada) de crianças pelos pais, é uma das formas desse tipo de opressão. Esta prática horrível não é somente uma contravenção flagrante do mandamento divino sobre a sexualidade humana, mas ela nega ao mesmo tempo a imagem de Deus que vive em cada um de nós. De fato, uma das manifestações da imagem de Deus posta em nós, passa pelo exercício de nossa sexualidade no contexto do plano divino. Ora, o mandamento exclui absolutamente a relação sexual entre pais e filhos. A obediência da Lei divina neste ponto representa uma forma de exercício da justiça segundo Deus no interior da família.

O poder militar, o exército, pode também se impor de maneira abusiva aos outros setores da sociedade, tentação freqüente que faz com que aquele que detém a força, imponha seu direito e seus próprios interesses em detrimento de todas as outras coisas. O reino do medo, praticado tão freqüentemente pelas autoridades militares, ultrapassa aquilo que constitui o dever do exército: o serviço e a defesa do país. João Batista já dava em sua pregação, as regras de conduta aos soldados que vinham lhe ver, quando lhe perguntavam: "e nós, que faremos?" No Evangelho segundo Lucas, no cap. 3, verso 14, lemos que ele lhes respondia como segue: "a ninguém maltrateis, são deis denúncia falsa e contentai-vos com o vosso soldo." Palavras bem atuais... Se, num caso excepcional, o exército tenha de tomar a direção de um país que esteja à beira do caos, isso seria possível se fosse para restaurar a ordem justa, e não para a perpetuação de um poder que se apóia sobre o abuso da força. Quando o exército está a serviço de um grupo, torna-se uma milícia privada; então, sua função de defesa contra um inimigo exterior e seu papel em garantir a ordem se tornam deformados, resultando em uma outra forma de desordem. As autoridades militares nunca devem esquecer que elas também responderão sobre seus atos diante de Jesus Cristo, aquele em quem todas as coisas foram criadas nos céus e na terra, o que é visível ou invisível, tronos, principados, poderes (Cl 1:16). Ao procurador Pôncio Pilatos que lhe perguntava: "não sabes que tenho o poder de te soltar e o poder de te crucificar?" Jesus respondeu: "tu não terias nenhum poder sobre mim, se do alto não te tivesse sido dado". Responsabilidade diante de Deus e observação de sua Lei deveria caracterizar não somente os pequenos e humildes, mas todos aqueles que se encontram em posição de força ou de poder. Deus não tolera usurpação de suas prerrogativas. Cedo ou tarde, aqueles que se entregaram a isso terão de lhe prestar conta.

Muitas outras áreas da vida em sociedade mereceriam ser avaliadas à luz da soberania de Cristo sobre toda a criação. Destaquemos ainda a área econômica: na prática, ela pode ser fator de grandes injustiças quando o poder do dinheiro, do lucro, elimina toda a noção de equidade e de tratamento justo dos mais fracos. As regras do jogo, nos negócios, tornam-se então não somente duras, mas, sobretudo, desonestas. Mamon, o ídolo do dinheiro a que Jesus se refere, trabalha para substituir o rei da Criação. O abuso do poder econômico ou financeiro, não é menos nocivo que o abuso do poder militar. Em lugar de estar a serviço da comunidade como um todo, este poder se acha concentrado nas mãos de poucos. Reconheçamos também que na sociedade contemporânea, a realidade econômica é facilmente considerada como o elemento de base da sociedade, ou mesmo, sua fundação. As outras atividades, as outras áreas da vida lhe são totalmente subalternas. Mesmo a moral mais elementar se encontra facilmente submissa aos imperativos econômicos, interpretados não à luz da Palavra, mas de acordo com interesses particulares.

Amigos ouvintes, não é da intenção de “Fé e Vida Reformadas” prescrever para cada área da vida em sociedade seu próprio funcionamento. Nosso objetivo é, antes de tudo, lembrar que o Cristo ressuscitado reina sobre toda a Criação, em toda sua diversidade, hoje e eternamente. Esta Boa Nova deve incitar aqueles que a aceitam pela fé a refletir seriamente sobre as implicações do reino de Jesus Cristo. A Lei de Cristo é profunda e devolve a vida. Deus abençoa não somente os indivíduos, mas também as comunidades, as sociedades e as nações que reconhecem sua soberania, e procuram compreender melhor sua vontade para hoje, à luz de sua Palavra eterna. Que o Espírito de Cristo possa iluminar cada um, em seu próprio ambiente, na vocação que ele ou ela tem recebido, a fim de que cada um saiba exercer sua vocação com discernimento, sabedoria e num espírito de serviço. Possam as Igrejas pregar e lembrar sem cessar este artigo de fé fundamental: Cristo reina sobre toda a Criação. Quando nenhum indivíduo, nenhum grupo ou tribo, nenhum poder instituído se coloque como o senhor absoluto, mas aja reconhecendo a soberania de Deus Pai, Filho e Espírito Santo, a serviço do seu reino e do próximo, então a justiça segundo Deus se torna visível aos olhos de todos e traz frutos que curam.


Traduzido por: Paulo Athayde

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