Criação e Pacto

por

Mauro Meister



Pacto pode ser definido como relacionamento. “Quando se trata do pacto divino-humano pode-se dizer que o pacto é um vínculo/elo de amor, iniciado e administrado pelo Deus triúno com a sua criação, representada pelos nossos pais”.

Esse elo se desenvolve através de leis, o que chamamos de mandatos. Esses mandatos envolvem a totalidade da existência humana, na qual o homem deveria cumprir o seu papel fundamental – “Glorificar a Deus e gozá-lo para sempre”. (Catecismo Maior da CFW)

Trabalharemos com uma série de textos adaptados de From Creation to Consumation mostrando os pontos principais que devemos ter em mente ao iniciarmos a nossa tarefa bíblico-teológica em Gênesis.

Motivação para a Criação

(Van Groningen)

Por que Deus criou o cosmos? O que motivou o Deus Triúno a criá-lo? Deus tinha que fazer isso? Ele foi compelido por algum constrangimento nesse sentido? E, será que a motivação para a criação é a mesma que há para a consumação? As Escrituras não detalham em certo capítulo ou dado versículo, de forma declarativa e didática, a resposta à questão da motivação; mas certamente os registros escriturísticos da revelação de Deus no Antigo Testamento incluem referências sugestivas. Deve-se evitar a tentação de ler nas passagens ou de tirar das Escrituras o que na realidade não está lá, pois o desafio diante de nós é de aprender das Escrituras o que é apresentado por declarações diretas ou indiretas, por conotação ou insinuação. Além disso, devemos estar cientes de que são usados antropomorfismos e antropopatismos e estes devem ser entendidos por aquilo que são: formas humanas finitas de falar da Deidade Triúna infinita.

Primeiramente, é preciso fazer uma referência à auto-revelação de Deus. Não se afirma diretamente em Gênesis 1.1-2.25 o motivo pelo qual Deus decidiu criar e, desse modo, fazer-se conhecido a outros além da própria Trindade. Em Gênesis 1, no entanto, a repetida declaração "e Deus disse" indica seu desejo de falar, de expressar-se, e de fazer-se conhecido. Deus fez o que Ele quis fazer. Quando chegou a hora de criar os seres humanos, Deus se aconselhou consigo mesmo, dizendo, "Façamos". Isso implica não somente um desejo, mas o plano de auto-expressão na criação de macho e fêmea humanos à sua própria imagem e semelhança. Em nenhum lugar das Escrituras é indicado ou mesmo sugerido que Deus tenha sido, de uma forma ou outra, compelido a criar à sua imagem, quer o cosmos ou o homem e a mulher; ou mesmo a se revelar e, desse modo, fazer-se conhecido a outros que não a si mesmo. Deus criou, se revelou e se fez conhecido porque foi seu desejo fazer assim. Sem quaisquer reservas de dentro de si próprio, ele escolheu livremente falar e agir. Essa foi sua prerrogativa. Em nenhum sentido, poderia se pensar nisso como negativo da parte de Deus, caso ele não tivesse optado por prosseguir nessa direção.

O desejo divino de criar e se revelar tem uma série de correlativos intimamente relacionados. Respondendo à questão do porquê do desejo, tem sido dito que foi a graça de Deus que o motivou a prosseguir em seu desejo de criar. A graça moveu o desejo para a intenção, e a interação conduziu ao falar e agir (i.e., criando o cosmos). Diz-se então que a idéia que graça transmite é de que Deus não tinha que criar. Deus criou sem mérito algum estar envolvido em nenhum sentido. Deve-se questionar seriamente, no entanto, se o conceito de graça pode ser usado antes da queda. O termo hen(graça) aparece pela primeira vez no relato de Noé, no contexto de pecado e juízo. Deus referiu-se a si mesmo como "gracioso" [misericordioso] em Êxodo 22.27, no contexto de alguém que está sofrendo por causa do pecado de roubo. Graça, assim como misericórdia, fala do amor de Deus por aqueles que são imerecedores e angustiados por causa do pecado e da culpa. Os termos deveriam ser usados, portanto, somente quando citando a demonstração de amor nesse contexto. Visto que o pecado não esteve presente quando Deus desejou e, de fato, criou o cosmos, não é correto falar de Deus motivado pela graça para criar e se revelar.

A objeção à idéia de que a graça motivou a Deus não deve ser entendida como uma negação de que Deus estivesse livre para criar. De fato, Deus era livre para criar e, humanamente falando, "livre para não criar". Ele não tinha que criar, mas desejou criar; ele era livre para satisfazer seus desejos. Ele exercitou essa liberdade.

Um termo que dá uma indicação da motivação de Deus em Gênesis 1.1-2.25 é o adjetivo "bom". Deus viu tudo que tinha feito e tudo era bom. Todos os aspectos criados estavam de acordo com o padrão da vontade ou intenção de Deus. Tudo que Deus criou foi fiel ao seu propósito. Deus sabia o que era bondade. Ele revelou bondade porque ele é bom. Isto é dizer que Deus foi fiel a si mesmo. Deus criou o cosmos e se revelou porque, desse modo, ele expressou uma característica básica e profunda da personalidade divina. Em face do que o Novo Testamento declara, que "Deus é amor" (1 Jo 4.8), pode se inferir que Deus foi verdadeiro para consigo mesmo como um Deus de amor. No ato de criar Deus fez aquilo que ele poderia amar e iria amar, como de fato amou (ver Jo 3.16 - Porque Deus amou o cosmos). É da essência do amor mover-se para fora de si, dar, compartilhar. Deus, exercitando o amor, estava se revelando como bom.

Deus, movido por bondade/amor, foi também motivado a relacionar-se com outros além da Deidade. Deus queria comunhão um relacionamento íntimo, bom e amoroso. Isso tornou-se possível especialmente pela criação de macho e fêmea à sua imagem e semelhança. Este desejo de comunhão é refletido quando as Escrituras falam de Deus andando no jardim, tendo comunhão com Adão e Eva (Gn 3.8,9). O andar de Enoque com Deus (Gn 5.24) o levou a ser tomado por Deus para uma comunhão completa e sem fim entre Deus e o homem. Abraão foi chamado a andar diante ou com Deus e ser perfeito (Gn 17.1). Obediência da parte de Abraão satisfaria o desejo de Deus por comunhão.

A motivação para comunhão não deve ser entendida como uma inferência de igualdade quanto à pessoa, posição ou função entre Deus e seres humanos. Do texto diante de nós, aprendemos que Deus exercia seu senhorio. Ele é Senhor; porque ele é Deus, ele é Mestre e Governador soberano. A vontade de Deus será feita de acordo com sua bondade/amor. Deus falou de acordo com sua vontade; agiu da mesma forma; exerceu seu senhorio sobre todos os aspectos do cosmos à medida em que os criava, moldava, e os colocava no seu contexto; e também determinava sua natureza e seu papel. Deus desejava revelar e exercer seu senhorio e tê-lo reconhecido e servido. De fato, quando Deus criou e se revelou, ele entrou em comunhão e exerceu seu senhorio porque quis - mas também porque ele desejava ser adorado e servido.

Na criação e através da história, Deus desejou que lhe fosse prestado adoração e serviço; conseqüentemente, incitou homens e mulheres a adorá-lo e a servi-lo, fazendo-se conhecido como um Deus de beleza, majestade, esplendor e glória. Esta motivação pode ser derivada por inferência de Gênesis 1.1-2.25, considerando-se o que foi que Deus criou e como provisões foram feitas. Considere, por exemplo, o Éden. Vários aspectos da Deidade foram tornados conhecidos, de várias formas, no curso da história. Exemplos excelentes disso temos na revelação que Deus faz de si mesmo no monte Sinai (Ex 19.16-19; 20.18-19); nas suas exigências para o tabernáculo, em seu aparelhamento e na roupagem dos sacerdotes. A revelação de Deus da sua majestade, esplendor e glória, que foram revelados a Isaías (cap. 6), Ezequiel (cap. 1), e aos pastores (Lc. 2), sustenta o fato de que Deus foi motivado a criar e a se revelar para que estes aspectos do seu ser e caráter pudessem ser apreendidos e ele fosse adorado (ver Sl 90.17; 96.6,9).

Os comentários sobre a motivação de Deus para criar e, desse modo, revelar-se, não deverão omitir o que, num sentido real, poderia ser considerado como o desejo mais abrangente: o desejo de Deus de ser glorificado. Este aspecto não tem referência em Gênesis 1.1-2.25, mas considere o Salmo 19.1: "Os céus proclamam a glória de Deus". Paulo declarou esta mesma verdade de forma eloqüente: "Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente." (Rm 11.36). Sem dúvida, Paulo tinha em mente a obra criadora de Deus, assim como o seu plano e trabalho de redenção. Os escritores bíblicos, conscientes desse desejo divino de ser glorificado, chamavam todo o povo para fazer isso (Sl 22.23; Is 24.15; Mt 5.16; Jo 12.28). Repetidamente é declarado que aqueles que amavam e honravam o Senhor, glorificando Deus da forma em que desejava ser glorificado (Sl 86.12; Rm 15.6; 2 Co 9.13). Quando Jesus estava na terra, declarou que veio para glorificar o Pai, e que de fato o glorificava (Jo 17.1,5).

A motivação de Deus para criar não estava totalmente completada quando ele terminou de falar e fazer no princípio. A motivação que fez com que Deus criasse, também o moveu através da história à medida que sustentava o cosmos, a despeito do pecado e de seus efeitos. Essa motivação também o fez prosseguir no seu alvo a ser completado na consumação. De fato, a motivação para a consumação primeiramente se fez evidente no princípio. Tão certo como Deus começou criando o cosmos, ele o trará à sua completa consumação.

O Relato da Criação como Fato

Não é de se admirar que o relato da criação e o conjunto de livros onde ela está contida sejam a parte mais atacada de toda a Bíblia. Justamente porque o relato da criação é a base para a compreensão do restante das Escrituras. Sem uma compreensão correta da origem do homem, as leis que regem o seu relacionamento com o criador e a quebra dessas leis pactuais, o restante das Escrituras não faz o menor sentido! Não temos tempo nesse curso para trabalhar uma interpretação detalhada de todo o texto da criação (faço referência ao texto da Aula 8 no curso de Interpretação – Interpretando Gênesis 1.1-2). O que nos importa, em primeiro lugar, é enfatizar que a criação, assim como a narrativa da mesma nos primeiros capítulos da Bíblia, é fato!

As diversas teorias científicas do mundo moderno se encarregaram de criar suficiente argumentação contra este fato, a ponto de encontrarmos os cristãos totalmente confusos, e na maioria das vezes omissos quanto ao ensino da Bíblia sobre a criação. Creio que aqui temos, também, a razão pela qual temos tantas divisões: uma má compreensão da base. Veja o comentário de Van Groningen sobre as visões em torno do relato da criação:

"Tanto o Antigo quanto o Novo Testamento falam dos atos criadores de Deus como eventos históricos. Young expôs o caso corretamente: "Eles foram eventos históricos" no sentido que, de fato, aconteceram. Ele passa então a dizer que estava rejeitando a definição que limita a palavra ao que podemos saber através da investigação científica. Wenham também defendeu este ponto de vista. A visão tradicional é sustentada pelo comentário massorético (no texto hebraico). Este ponto de vista tem sido defendido pelos adeptos do método de exegese teológico-histórico-gramatical. Somado a isso, quando relatos extrabíblicos são consultados, apresentam as visões alternativas sugeridas para Gênesis 1.1-3, mas o fazem de uma forma literária diferente, que deixa óbvias estas óticas. O relato escriturístico é claramente diferente. Existe uma seqüência natural de pensamento na visão tradicional. Primeiro, é dito que Deus criou tudo; então, é dito como eram as coisas depois do primeiro ato criador. E logo a isto se seguiu a primeira palavra criadora.

Considere também o aspecto do uso do verbo no em Gênesis 1.1:

Primeiramente, deve ser considerado o termo bara. No piel, parece ter o significado básico de "cortado" ou "separado" (Js 17.15; Ez 23.47). Este significado e uso são muito diferentes do seu emprego no qal, onde ele é usado somente com respeito a Deus. Nesse caso, refere-se a algo novo vindo a acontecer. Pode referir-se a uma mudança ou transformação radical, como por exemplo, o aparecimento de novos céus e nova terra (Is 65.17). Quando os propósitos de Deus na história são revelados e os aspectos novos e/ou renovados são criados por Deus, o termo baraé usado (Is 42.5; 45.12). Davi usou o termo no Salmo 51.12 (heb.) quando orou por um coração limpo e um espírito renovado. Em todos os casos onde o termo aparece no qal, fala de eventos reais que estão acontecendo, irão acontecer ou poderão acontecer. Este não é um termo literário artístico. Embora ele ocorra na literatura poética, ele não é empregado como símbolo, metáfora ou em qualquer outro sentido não verdadeiro. O uso do termo bara no Antigo Testamento leva o conceito do que Deus fez, faz ou irá fazer realmente. Indica um evento concreto, real e histórico. Gênesis 1.1 informa o leitor do que Deus realmente fez. Isto é um evento histórico no começo absoluto do tempo, espaço e substância do cosmos. Gênesis 1.1 fixa o palco; prepara o leitor para o que se segue, um relato do que Deus realmente fez.

Fatos e atos

Se o relato da criação é fato, ele nos relata uma série de atos criativos de Deus. Atos criativos não significam apenas que Deus fez coisas a partir do nada. No relato da criação temos, além de atos criativos a partir do nada, Deus organizando, separando, nomeando e delegando funções. Esse é um aspecto fundamental de se levar em consideração ao lermos o relato de Gênesis 1. Nem tudo o que é feito nos 7 dias de atividade criadora é uma nova criação, a partir do nada. Veja-se, por exemplo, o relato do quarto dia, em que são “criados” os luzeiros. Como explicar a existência da luz no primeiro dia e a criação dos luzeiros no quarto? Normalmente faz-se um malabarismo exegético para se dizer que a luz é independe de luzeiros, que Deus é luz e Ele pode cria-la independente das fontes de luz naturais que conhecemos, e assim por diante.

No entanto, se entendermos a narrativa como o ato de Deus delegar as funções dos luzeiros, entendendo que os mesmos já haviam sido criados no reshit (princípio), nenhuma dessas explicações seria necessária. É um ato de Deus em sua atividade criadora, estabelecer as funções dos astros celestes com relação à terra. Para mais explicações, ver o texto anexo de Van Groningen sobre Os Atos da Criação.

O resultado da Criação: O reino cósmico

Texto adaptado de From Creation, cap. 2

A Natureza do Reino Cósmico

A atividade criadora teve muitas características e o resultado desta vasta e variada atividade também teve muitos aspectos. O cosmos consistia de luz, céu (abóbada celeste), mares (extensões de água) e terra seca. A maior maravilha é o fato de existir vida em várias formas: vegetal, animal, angelical e humana.

A criação, consistindo de muitas partes, conexões, forças e leis, foi constituída para ser uma entidade total, integral e harmoniosa. Cada aspecto tem seu papel, função, influência e efeito. Esta criação, vinda como veio do trabalho do Criador, continua como foi feita porque é domínio de Deus. Assim como ele exercitou seu controle soberano sobre a criação quando a criou, ele continua a exercitá-lo. A criação, pelo poder e vontade soberana de Deus, permanece sujeita a seu Criador. Isso é confirmado pelo fato de que Deus viu o que fez e declarou ser bom. O cosmos, sujeito a seu Deus Criador, permanecerá assim até Deus dizer que chegou o tempo para a renovação e a consumação final. Enquanto isso, todo o potencial que Deus tem colocado na criação continuará presente, desafiando homens e mulheres a descobri-lo e desenvolvê-lo. Essa revelação do potencial da criação, no entanto, não irá alterar ou transformar qualquer parte dela. O que Deus criou, ato por ato, foi bom. Cada aspecto satisfez seu padrão. E assim continuará.

A criação de Deus pode ser citada, corretamente, como sendo um cosmos. O termo tem origem grega; fala de ordem, harmonia e beleza. O termo "universo" tem um sentido bem próximo, mas enfatiza que a (di)versidade (os muitos) é una (um só). Muitas partes constituem um produto único das mãos do Criador, um produto que é ordenado, harmonioso em todas as suas partes, um belo trabalho. A criação é um cosmos. Portanto, foi criada e é sustentada pelo soberano Criador que é seu Governador. A criação é o reino cósmico de Deus. É o domínio totalmente abrangente de Deus dentro do qual ele deu autoridade aos homens e mulheres em submissão a ele; por causa disso, reinos humanos poderiam se desenvolver e se desenvolveram. E, dentro deste reino cósmico abrangente, o reino de Cristo, o Redentor, encontra seu lugar e seus efeitos.

A Manutenção do Reino Cósmico

O relato da criação não fala direta e explicitamente sobre a manutenção do reino cósmico. Existem, porém, algumas referências implícitas.

Deus, o Criador, proferiu a palavra criadora de acordo com o seu plano e vontade soberana. E, tendo criado o que pretendia, declarou ser bom. Esta declaração, como já foi mencionado, indicou que o cosmos, em todos os seus aspectos e funções, atende ao padrão de Deus. Isaías declarou mais tarde que Deus não tinha criado o cosmos para que fosse inútil (Is 45.20). Isso testifica o fato de que Deus pretendia manter, sustentar e dirigir o cosmos como tinha planejado. O cosmos, por essa razão, é mantido de acordo com a vontade soberana de Deus e de acordo com os padrões que ele determinou. Mas, esta manutenção não acontece "automática" ou "deisticamente". Deus permanece pessoalmente envolvido.

O Espírito de Deus pairava sobre a massa inicial criada sem forma e vazia. O Espírito trabalhou na formação do cosmos. Ele não se retirou dele. Ele permaneceu como uma força sustentadora. Se, e quando o Espírito retirar-se, então a vida ficará ameaçada e a destruição se tornará uma possibilidade e uma ameaça real. O salmista também cantou do papel contínuo do Espírito na manutenção e continuação da vida (Sl 104.24-31). Nesse contexto, o salmista também deu expressão à eterna e contínua revelação da glória de Deus através do seu trabalho artesanal.

A manutenção do reino cósmico, através do poder reinante de Deus e através do seu Espírito sempre presente e ativo, é chamada de providência de Deus.

Mais um fator na manutenção do reino cósmico deve ser mencionado. Devemos nos lembrar das forças, modelos e leis que Deus implantou dentro do cosmos. Ele deu às plantas, animais, pássaros, peixes e à humanidade, o poder, a função e a capacidade de se reproduzirem. Deus colocou o sol, a lua e as estrelas em seus lugares e deu-lhes sua função. Como Deus governa seu reino cósmico de acordo com sua vontade, e como o Espírito está continuamente presente e realiza sua função mantenedora, os aspectos e forças do cosmos funcionam, continuamente, de acordo com suas naturezas divinamente determinadas. Cada um destes três elementos - o governo, o papel do Espírito, e as funções inerentes dos aspectos criados - trabalha harmoniosa, integral e produtivamente.

É bom lembrar, a esta altura, que com a queda de Satanás e da humanidade, distúrbios foram introduzidos dentro do bem operante e sustentado reino cósmico. Mas, os efeitos da queda não alteraram o modo básico e fundamental em que Deus mantinha seu reino cósmico. Como estaremos descobrindo, Deus trouxe aspectos adicionais, particularmente no que respeita sua oposição aos esforços satânicos e aos resultados drásticos da queda de Adão e Eva.

O Propósito do Reino Cósmico

Quando a pessoa indaga a respeito do propósito do reino cósmico de Deus, talvez se entenda que ela esteja procurando saber qual foi a intenção e motivação que Deus teve em criá-lo. Já foram feitas referências à auto-revelação de Deus, à revelação de sua vontade e glória e a seu desejo de comunhão. Não existe declaração expressa, em Gênesis 1-2, quanto aos propósitos a serem cumpridos pelo reino cósmico. Daquilo que Deus pedia, algumas indicações podem ser deduzidas.

Um dos propósitos para o reino cósmico era tornar conhecida a maneira em que a vontade de Deus seria expressa em termos de modelos e leis que Deus implantou na sua criação. Através disso, pode ser obtido um entendimento mais profundo dos planos e intenções de Deus. À medida que o cosmos expressa isso e nós observamos a conformidade do cosmos à vontade de Deus, podemos obter uma compreensão mais profunda e mais clara da sabedoria e da justiça de Deus. Sabedoria pode se referir a prudência, habilidade e sucesso. Mas também se refere à habilidade de unir as várias partes e forças para que funcionem como um todo. Sabedoria é também expressa na maneira em que cada aspecto da criação mantém sua identidade, à medida que aspectos adicionais e funções eram chamados à existência. Observando isso, o salmista exclamou, "Que variedade, SENHOR, nas tuas obras! Todas com sabedoria as fizeste" (Sl 104.24). A justiça de Deus é revelada no fato de que ele tem todos os aspectos funcionando de acordo com a sua vontade. Cada um deles cumpre as ordens de Deus. Cada um permanece na relação com os outros que lhe foi divinamente determinada, e, em particular, em sua relação com Deus. Nenhum aspecto do cosmos, como Deus o criou, foi contrário ou se opôs ao propósito de Deus. Sendo que o reino cósmico cumpre o propósito de Deus no que diz respeito à sua sabedoria e justiça, nenhuma pessoa pode alegar ignorância sobre a deidade, sabedoria e justiça de Deus (Rm 1.18-32).

Outro propósito para o reino cósmico foi produzir um palco para Deus demonstrar as maravilhas e mistérios da vida. A vida no cosmos é um dom de Deus. A vida, requerendo um palco no qual poderia ser trazida à existência e no qual poderia ser trazida a uma expressão múltipla, foi feita um aspecto inerente do reino cósmico. Como tal, este reino estava sob a vontade e a sabedoria de Deus e poderia funcionar de modo hábil, frutífero e harmonioso, com todas as dimensões da vida.

Um terceiro propósito para o reino cósmico era providenciar um lar, um trabalho e um lugar de descanso para o ápice da criação de Deus, os que foram criados à sua imagem. O reino cósmico é o lar palaciano e o jardim edênico para homens e mulheres. Deus pretendeu dar ao povo um lar que fosse ao encontro de suas necessidades, que proporcionasse um palco para o amor e um cenário para a experiência da alegria. O reino cósmico, existindo sob o reinado sábio e justo de Deus, foi feito para que os que foram criados à imagem de Deus pudessem trazer a uma expressão plena e perfeita todas as capacidades e potencialidades que foram dadas ao homem e à mulher pelo Rei Criador.

O reino cósmico também cumpriu o propósito divino de ter o homem e a mulher servirem como vice-gerentes. Deus os fez como realeza e para um serviço real. O reino cósmico cumpre seu propósito suprindo um lugar de descanso para os vice-gerentes de Deus. Não só teriam e desfrutariam de um lar e um jardim, servindo como trabalhadores reais com Deus e sob a direção dele. Eles teriam descanso do seu trabalho para que pudessem, a cada noite e no sétimo dia, entrar em uma comunhão de amor e adoração.

A Consumação do Reino Cósmico

O relato da criação indica claramente que Deus iniciou um processo. Este processo cessou quando Deus descansou (Gn 2.1-3). Os céus e os mares estavam cheios de toda sorte de vida apropriada. A terra tinha produzido os vários tipos de vegetação. A vida animal havia sido criada, de acordo com suas espécies. Finalmente, o homem e a mulher foram criados e trazidos para um relacionamento familiar. O jardim do Éden havia sido plantado e servia como um local eficiente e totalmente apropriado para se morar, trabalhar e descansar. O processo criador - o fazer, formar, organizar, designar e produzir - estava completo. Deus descansou de toda sua obra criadora.

Deus deu a Adão e Eva, e a seus descendentes, o mandato de ser frutífero, de cultivar e ter domínio sobre todo o cosmos criado. Este mandato dá a entender que a vida no reino cósmico não era para ser estática ou congelada em formas sólidas. A humanidade devia envolver-se na descoberta, revelação e desenvolvimento das potencialidades e substâncias, forças e leis que Deus embutiu em seu reino cósmico. Foi determinado à humanidade ser culturalmente ativa e produtiva. Foi determinado à humanidade tornar-se "construtora da História". Foi determinado à humanidade servir sob o Rei Criador; e dentro dos limites colocados sobre o reino cósmico, com a direção do Espírito de Deus, das leis e das funções criadas, trazer a uma crescente riqueza e completa expressão as maravilhas, as belezas, os poderes, os mistérios, sim, toda a vontade de Deus para um reino cósmico totalmente revelado e perfeito. Uma vez que cessaram as atividades criadoras, a humanidade teve o privilégio e a responsabilidade de desenvolver a cultura, de envolver-se no processo histórico e de ser co-operadores com Deus no processo de consumação.

O reino cósmico está sujeito a e envolvido no processo de consumação. A queda do homem e suas conseqüências já afetaram esse processo. No entanto, as Escrituras deixam claro que o processo continuará. Em um ponto determinado por Deus, o reino cósmico será renovado completamente através de um súbito acontecimento cataclísmico. Até que isso aconteça, o reino cósmico estará envolvido em um processo de transformações, algumas iniciadas por influências e forças naturais, sob controle soberano, e outras induzidas e dirigidas pelas atividades culturais da humanidade. Contudo, no meio da transformação, existirão os elementos básicos, estruturas, modelos e leis imutáveis.