Precisamos da Reforma?

por

Prof. Isaías Lobão Pereira Júnior



Muitos poderiam responder esta importante questão com um sonoro, “não”. Porém, eu creio que nós necessitamos urgentemente da teologia reformada. É notória a crise doutrinária e institucional que a Igreja Evangélica no Brasil passa. Um sinal eloqüente é o aumento do número de pessoas que declararam ser “sem-religião” no último censo do IBGE. A maioria delas oriundas de igrejas neopentecostais. Vejo muitas igrejas sérias, pastores comprometidos com seu chamado, pecadores sendo salvos, porém, os dados são alarmantes. 30% da polícia no RJ é evangélica e isto não mudou na dentro da corporação, inúmeros deputados e senadores são evangélicos e nossa política pouco mudou.

Analiso três áreas onde é possível identificar esta crise. Em primeiro lugar, estamos vivendo um abandono da nossa rica herança teológica Reformada. As igrejas diretamente ligadas a esta herança, há muito abandonaram este paradigma. Seus seminários são fortemente influenciados pelo Liberalismo Teológico, responsável pela destruição da fé nas igrejas européias. A Bíblia é vista com desconfiança e reinterpretada de acordo com os cânones pós-modernos. A busca de relevância e aceitação no meio acadêmico tem levado estas igrejas a formatar sua educação teológica nos moldes racionalistas e escolásticos. Repete-se aqui a teologia amorfa feita na Europa, uma teologia sem Deus e sem vida, e distante das demandas pastorais.

Em segundo lugar, a crise de nossa espiritualidade. Muitos confundiram que ocorreu no Brasil com o genuíno avivamento. A renovação litúrgica colocou a juventude na direção dos chamados grupos de louvor, mas as canções entoadas por eles são pobres em conteúdo, fracas em sua musicalidade, superficiais e alienantes. A Teologia da Prosperidade ainda influencia muita gente, mesmo depois de sofrer um ataque sério, feito no início dos anos 90 através de diversas publicações. Outro problema é a Teologia da Batalha Espiritual, que apregoa a demonização de pessoas e estruturas, promovendo um sincretismo perigoso. Uma visão pagã que mistura elementos do animismo, gnosticismo e cristianismo, formando uma salada religiosa de gosto duvidoso.

Como conseqüência, vejo uma crise de identidade e de relevância. Os crentes não conhecem sua rica história, nem se dão conta que são depositários de uma rica herança teológica. Cada novo movimento que surge tenta reinventar a roda, apresentar a solução final para a igreja brasileira. Os lemas sempre são triunfalistas, “vamos sarar a nossa terra”, “alcançar a nossa geração”, “o Brasil é do Senhor Jesus; povo de Deus declare isto”, etc.

Para atrair a atenção da liderança da igreja é só falar em metodologia de crescimento de igrejas. Cada novo movimento que surge quer responder este anseio. Notei que houve muito mais uma migração de crentes do que conversões de pecadores. A igreja em crise não consegue ser relevante e cria uma subcultura evangélica, onde temos versões “gospel” de tudo. Uma revista trazia em sua capa, um anúncio das fotos do nascimento do herdeiro de uma famosa cantora, outra revista perseguia o leitor com um anúncio de uma visita a residência de um importante líder, bem no estilo Caras, apresentada o refúgio particular do “grande servo de Deus”.

Ao contemplar um quadro tão desolador, podemos ser tentados a crer que Deus não está agindo em nosso país. Contudo, em meio a este deserto, Deus sempre tem a última palavra. Surge um oásis de esperança.

Admito que a trilha percorrida pelos reformadores é resposta para a crise da igreja. Alguns podem dizer: “Porque lembrar a Reforma? Ela foi um importante movimento, reconheço que ela foi a melhor para os problemas de seus dias no longínquo século XVI. Porém, não podemos responder os questionamentos de nossa geração com os conceitos antigos e ultrapassados dos reformadores”

Penso que os caminhos antigos são os melhores. Ainda creio que caminhar ao lado de Lutero e Calvino é melhor maneira de fortalecer a quase moribunda Igreja brasileira. Minhas convicções a este respeito foram forjadas na fornalha da incredulidade do ambiente universitário, na minha experiência acadêmica, preparando líderes eclesiásticos e na dureza do trabalho pastoral numa cidade como Brasília.

A Reforma Protestante liderada por Lutero, que foi complementada por Calvino e Zwinglio, que resultou no movimento Puritano, modificou completamente a concepção religiosa medieval, que em muitos aspectos, é semelhante ao modelo evangélico atual. O uso de objetos, como a “rosa ungida”, “óleo santo de Israel”, “maçã do amor”, para despertar a fé das pessoas, mais se parece com a busca incessante de relíquias e objetos santos, tão comuns no catolicismo medieval. O neopentecostalismo pouco tem de reformado e evangélico, mas está carregado de elementos pré-reformados.

A fé é o ponto fundamental do Luteranismo e de toda a Reforma, a base de toda a religião reformada “Nessa experiência do Cristo finalmente puro, finalmente a sós, estaria a fé. Haveria assim uma fé pura, puramente inspirada pelo Espírito”. O reformador se acha em busca da pureza da fé: (a fé liberada de todas as contaminações dos interesses históricos interesses e paixões da cristandade)”.[1] Ela começa por rejeitar os intermediários e aspira ir até Deus e o Cristo diretamente, sem passar pela cristandade.

Os reformadores e puritanos acreditavam encontrar o verdadeiro Cristo diretamente da Bíblia. A Teologia Reformada está ligada a uma análise rigorosa da Bíblia, considerando de forma diversa tanto o Antigo Testamento como o Novo Testamento. Martin N. Dreher chamou a atenção para o fato de que a obra da vida de Lutero nada mais é do que “uma ampla e abrangente interpretação da Bíblia [2]”.

Os grupos reformados surgiram com a luta para que todo o povo tivesse acesso às Escrituras. As Escrituras eram autoritativas em todas as esferas da vida, testando a autoridade religiosa, os assuntos de moralidade, questões eclesiásticas, mas, por entender que toda a vida é religiosa, a aplicavam à ética, economia, política, em suma à toda vida.

Firmados na compreensão reformada da justificação dos pecadores pela fé mediante a graça e focalizando as necessidades pastorais e os problemas do seu tempo, os reformadores concentravam-se nas realidades da salvação do pecado: regeneração e santificação; as causas e a cura da hipocrisia e ‘falsa paz’; fé e certeza; oração e comunhão com Deus; consciência e casuística (que poderíamos chamar de “aconselhamento”); resumindo, a obra do Espírito Santo no cristão, a vida de Deus na alma do homem. Aqui suas percepções interiores são excepcionalmente valiosas.

Dai sua ênfase na centralidade da pregação. Eles se levantaram contra os métodos católicos. Estes usavam a dramatização, que chamavam de “dramatização dos mistérios”, quando atores profissionais eram pagos para, junto ao altar, representar diante da massa, que eles consideravam inculta e incapaz. [3] Mas, por causa de seu conceito das Escrituras, por entender que sua exposição é o meio ordinário de salvação, e que o homem, por ter a Imago Dei é um ser com capacidades racionais, eles rejeitaram estes acréscimos. Eles enfatizaram muito fortemente a pregação expositiva, não raro, pregando anos a fio em um livro da Bíblia.

Cada vez mais necessitamos voltar as Escrituras, ensinos básicos precisam ser retomados. Este analfabetismo bíblico, que grassa em nossos arraiais, é como se fosse uma doença que corroí a igreja. Um câncer que precisa ser extirpado. Deus quer que nos tornemos crentes que reflitam uma inabalável confiança nele, uma confiança que nos capacita a encarar a vida religiosa moderna em toda a sua realidade, e a permanecer fiéis apesar de tudo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

DREHER, Martin, “Introdução”. In: LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas. São Leopoldo: Editoras Sinodal e Concórdia.

LOPES, Augustus Nicodemus “Pregação puritana”. in: Jornal Os Puritanos Ano II – Número 4 (Setembro 1993)

NOTAS:

[1] DREHER, Martin, p. 15

[2]DREHER, idem.

[3] LOPES, Augustus Nicodemus Jornal Os Puritanos pp. 8.



 

 


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