Resenha: A Trindade, de Gordon Clark

por

Doug Comin

 

The Trinity, Gordon H. Clark, The Trinity Foundation, 1985. 173 pp.

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Quão refrescante nesse tempo de “Cristianismo” superficial é encontrar uma pérola rara como essa obra do “internacionalmente renomado filósofo, teólogo, e educador, o autor de mais de quarenta livros; e antigo Presidente do Departamento de Filosofia na Universidade de Butler, Dr. Gordon Clark, que partiu para a glória pouco depois de ter finalizado esse texto. A obra do Dr. Clark tem contribuído muito para a causa da alfabetização bíblica e teológica na Igreja de Jesus Cristo. Como sugere o prefácio do livro, escrito por John Robbins, “é muito popular hoje em alguns círculos supostamente cristãos enfatizar a ação e ignorar a doutrina, como se a ação fosse o importante... O sentir e o fazer, não o saber, tem o primeiro lugar nas vidas da maioria das igrejas e cristãos... Esperamos que esse livro seja usado por Deus para preservar e proteger sua verdade contra seus inimigos e seus professos amigos”.

O livro se fundamenta, então, sobre a premissa de que a doutrina da Trindade, longe de ser um tema obscuro e praticamente sem importância, é da máxima importância para qualquer pessoa que professe honrar a Deus e que deseje entender o seu ser. Sem um entendimento de quem Deus é, não podemos servir-lhe corretamente. Esse tratado contém quinze capítulos, um índice geral, um índice de referências bíblicas, um breve postscript de John Robbins intitulado, “A Crise do nosso Tempo”, e uma lista de leituras recomendadas em filosofia, teologia e estudos bíblicos intitulada “Munição Intelectual”. No corpo principal da obra, o Dr. Clark se esforça para examinar a doutrina fundamental da Trindade como “a base indispensável para a doutrina da expiação e tudo o que flui dela”.

O capítulo 1, intitulado “Escritura Preliminar”, fornece uma visão geral da doutrina da Trindade tal e como se encontra nas páginas da Palavra de Deus, a Bíblia. O autor reconhece que não é feita nenhuma tentativa de se tratar com cada uma das passagens bíblicas que tratam o assunto, e o leitor é desafiado a fazer certo estudo pessoal. O Dr. Clark observa que a forte influência da idolatria e o politeísmo durante os tempos do Antigo Testamento exigiram uma ênfase sobre a unidade do Único Deus do povo de Israel, e, portanto, o Antigo Testamento não ensina explicitamente, em nenhuma parte, a doutrina formal da natureza triuna de Deus.

Há, contudo, muitas inferências ao ensino trinitariano nas páginas do Antigo Testamento, as quais o autor assinala devidamente. Ele então procede para examinar várias passagens à luz das três categorias nas quis as “passagens trinitarianas” do Antigo Testamento podem estar. Essas categorias são: (1) aquelas que são obviamente trinitarianas, tanto para os crentes do Novo como do Antigo Testamento; (2) aquelas que parecem ser trinitarianas para os cristãos de hoje, mas que não teria sido vista como tal pelos judeus da época do Antigo Testamento; e (3) aquelas que os cristãos de hoje consideram como passagens trinitarianas que mui provavelmente nunca tiveram o propósito de serem interpretadas nesta luz. O resto do capítulo 1 apresenta a formulação da doutrina da Trindade a partir das passagens do Novo Testamento que tratam diretamente com a natureza triuna de Deus, ou que explicam várias referências do Antigo Testamento a ela. O leitor é desafiado a pensar mui cuidadosamente sobre essa doutrina fundamental, pois ela é de fato complexa.

O capítulo 2 trata com a heresia do terceiro século que veio a ser chamada de “Sabelianismo”, seguindo o nome do seu principal expositor, que foi condenado pela Igreja em 263 d.C.. Os ensinos de Sabélio são definidos e clarificados, visto que muitos têm interpretado ou aplicados os mesmos de maneira errônea ao longo dos anos. Essa heresia, diz o autor, está extinta agora. Não há sabelianos modernos, pois o erro básico de Sabélio era uma negação da humanidade real de Cristo, a qual tem sido historicamente reconhecida desde o quarto século.

O terceiro capítulo trata com o aspecto da natureza de Cristo que é, de fato, frequentemente negada hoje, ou seja, sua divindade. Aqui há uma análise de vários textos do Novo Testamento que foram a base para o pensamento da Igreja primitiva com respeito a divindade de Cristo. Algumas aplicações contemporâneas interessantes são derivadas com relação aos Testemunhas de Jeová.

O grande campeão da doutrina da Trindade, Atanásio de Alexandria, é o assunto do capítulo 4. O capítulo começa com uma breve visão geral da vida de Atanásio à luz desta vigorosa controvérsia doutrinária. O resto do capítulo trata com o desenvolvimento de Atanásio da doutrina da Trindade de sua derivação bíblica, consultando primariamente sua obra intitulada De Decretis. Esse capítulo mostra claramente que a doutrina cristã da Trindade não foi desenvolvida, como muitos tinham acusado, a partir da filosofia grega pagã.

No quinto capítulo, Clark nos dá a visão dos três contemporâneos mais jovens de Atanásio que também defenderam a doutrina da Trindade. Cada um tinha idéias muito distintas, e a informação histórica fornecida aqui é uma leitura muito interessante. A informação teológica é igualmente interessante e desafia o leitor a fazer um estudo cuidadoso da história que é virtualmente ignorada na Igreja contemporânea, mas vitalmente importante para o nosso entendimento do ensino da Palavra de Deus.

O capítulo 6 é uma olhada parentética nas dificuldades associadas com a terminologia no que se refere ao entendimento de um assunto. A corrupção dos termos gregos pelos tradutores latinos é examinada e o sentido original do vocabulário importante com respeito à Trindade é restabelecido. Tendo lançado esse fundamento, Clark procede para o assunto da unidade na Divindade, que é levantado mais em detalhe na discussão do capítulo 7 da obra de Agostinho sobre esse assunto. O Dr. Clark não contempla os pais da Igreja primitiva através de óculos de lente rosada, mas muito honestamente trata com as dificuldades em seus escritos. Ele está preocupado em mostrar o desenvolvimento do entendimento doutrinal ao longo dos séculos, particularmente por meio do estudo dos idiomas.

No espaço de uma página avançamos alguns 300 anos, de Agostinho para o Credo Atanasiano, que é o assunto do capítulo 8. Esse credo (que não foi escrito por Atanásio), é uma declaração detalhada da teologia ortodoxa que estabelece o ensino trinitariano da Igreja em 44 versos concisos. O credo é publicado em sua inteireza e os ensinos sobre a invisibilidade de Deus e a tri-personalidade de Deus são brevemente discutidos. A análise do Credo Atanasiano se estende até o capítulo 9, que cobre o assunto da incompreensibilidade de Deus. Aqui também encontramos Charnock, John Gill, e William Cunningham, os quais trataram com a difícil idéia da incompreensibilidade.

O assunto da incompreensibilidade é continuado nos dois capítulos seguintes. O capítulo 10 critica os escritos de dois teólogos americanos, Charles Hodge e Louis Berkhof. Na comparação feita ao longo do capítulo, Hodge surge como o teólogo superior e Berkhof leva a pancada principal da crítica. Contudo, o autor chama a atenção do leitor a alguns pontos excelentes feitos por Berkhof. Além de iluminar um pouco mais o tópico em discussão, o capítulo é um bom estudo na disciplina de leitura cuidadosa. Os escritos de nenhum teólogo devem ser absorvidos de maneira cega sem um escrutínio cuidadoso, e Gordon Clark examina as obras de grandes teólogos reformados da Igreja com seus olhos (e mente) bem abertos.

Dois outros pensadores se acham debaixo do microscópio no capítulo 11. Estes são Herman Bavinck e Cornelius Van Til, que foi grandemente influenciado por Bavinck. A proposição apresentada por Bavinck de que Deus é conhecível porque o “nosso conhecimento está confinado ao âmbito da experiência” (tomada de Kant), é desfeita na primeira parte do capítulo. O resto do capítulo mostra como essas idéias foram continuadas pelo Dr. Van Til, que substancialmente concordou com essa definição de incompreensibilidade. Essa definição defeituosa, diz Clark, levou à posição não-ortodoxa de Van Til “de que Deus, isto é, toda a Divindade, é uma pessoa”. Ao dizer isso, Van Til buscava evadir a acusação dos anti-trinitarianos de que a doutrina é auto-contraditória, pois algo não pode ser três e um ao mesmo tempo. Porém, ao se ocultar atrás da incompreensibilidade de Deus, Van Til foi forçado a argumentar no âmbito do irracional. O Dr. Clark, então, expõe essa lógica defeituosa e dirige o leitor de volta a uma defesa ortodoxa da doutrina bíblica da Trindade.

No capítulo 12 é feita a seguinte pergunta: “Como diferenciamos entre as pessoas?”. O conceito de individuação, que é a chave para o entendimento da Trindade, e que, todavia, é ignorado ou mal interpretado pelos teólogos, é examinado aqui. O Dr. Clark começa com uma revisão da teoria clássica do espaço-tempo de individuação, que identifica uma pessoa por meio das propriedades ou localização física, mas que é inadequada para definir pessoas espirituais. Como uma alternativa, ele explica a teoria qualitativa da individuação, que define uma pessoa pelo que ela pensa.

Para mim, essa explicação é a seção mais útil do livro em termos de entendimento da Trindade. A substância é rejeitada como o princípio de individuação em favor dos pensamentos. Portanto, “visto também que as três Pessoas não têm precisamente os mesmos conjuntos de pensamentos, elas não são uma Pessoa, mas três”. Todavia, elas podem ser a mesma em substância, ou essência.

O livro termina com uma consideração do ensino bíblico com respeito às Pessoas da Trindade. O capítulo 13 explora o tópico da eterna geração do Filho e a relação do Filho com o Pai. O capítulo 15 trata com a Pessoa do Espírito Santo. Entre eles, o capítulo 14 defende o uso da filosofia no livro e define os métodos empregados. O livro é admitidamente agostiniano e as implicações dessa perspectiva são explicadas.

Em geral, julguei esse livro como sendo totalmente interessante. É intelectualmente desafiador, especialmente à luz do abandono do pensamento sério por parte da Igreja contemporânea. Às vezes é tedioso, e certas seções podem ter que ser lidas diversas vezes para um entendimento completo (pelo menos por nós que somos peso-leve, intelectualmente falando!). A personalidade do Dr. Clark fica totalmente manifesta. Com seu sarcasmo engenhoso e bem colocado, sua crítica direta, sua confiança inabalável em suas próprias conclusões cuidadosamente ponderadas, e sua absoluta preocupação pela verdade da Palavra de Deus, ele nos leva a estudar cuidadosamente e nos estimula a uma estima maior pelo entendimento das preciosas doutrinas da Bíblia, entre as quais a doutrina da Trindade é uma das mais importantes.





Traduzido por: Felipe Sabino de Araújo Neto
Cuiabá-MT, 05 de Outubro de 2005.

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