Capítulo 9 - A Trindade Apresenta um Mistério, mas não uma Contradição
Esperar que nós, que não entendemos a nós mesmos nem as forças da natureza sobre nós, entendamos os profundos mistérios da Divindade certamente será no mínimo irracional. De todas as doutrinas cristãs, esta é talvez a mais difícil de ser entendida ou explicada. Que Deus existe como uma Trindade tem sido claramente revelado nas Escrituras; mas o modo particular no qual as três Pessoas existem não tem sido revelado. Quando nós contemplamos o Deus Triuno, sentimo-nos como alguém que contempla o sol ao meio dia. O finito não é capaz de compreender o infinito; e a maravilhosa personalidade do Pai, Filho e do Espírito Santo permanece e sempre deverá permanecer como um profundo mistério, apesar de todos os estudos que os grandes teólogos da Igreja têm despendido sobre ela. Quando tentamos agarrar seu significado, as palavras em Jó nos vêm à mente: “Poderás descobrir as coisas profundas de Deus, ou descobrir perfeitamente o Todo-Poderoso?”. A questão por si mesma se responde.Em cada esfera somos chamados a crer em muitas verdades que não podemos explicar. O que, por exemplo, é a luz? O que dá à força da gravidade sua atração, e quais os meios que a tornam possível? Como pode a mente ter contato com o cérebro físico?
“Há muitas coisas no mundo que são verdadeiras, mas que não podem ser entendidas”, diz o Dr. Floyd E. Hamilton. “Qual é a natureza real da eletricidade? O que é a vida? O que capacita o corpo humano a transformar a mesma comida em osso, dente, carne e cabelo? Essas são apenas algumas das questões que o homem nunca foi capaz de responder, e provavelmente nunca será, mas que na realidade não afetam sua veracidade. Elas existem, e sua existência não depende do entendimento delas. Do mesmo modo, o Deus Triuno existe e Sua existência não depende de nosso entendimento dos mistérios de Sua natureza” (Os Fundamentos da Fé Cristã, p. 278).
E o Dr. David S. Clark observa: “Nós devemos distinguir entre apreensão e compreensão. Nós podemos saber o que Deus é, sem saber tudo o que Ele é. Nós podemos tocar a terra, embora não sejamos capazes de abraçá-la em nossos braços. A criança pode conhecer a Deus, embora o filósofo não possa descobrir a perfeição do Todo-poderoso” (Um Resumo de Teologia Sistemática, p. 59).
“Este é deveras um mistério”, diz o Professor Flint, “todavia um que explica muitos outros mistérios, e que projeta uma maravilhosa luz em Deus, na natureza e no homem” (Teorias Anti-Teístas, p. 439).
A maioria das pessoas admitirá, por exemplo, que não entendem a teoria da relatividade de Einstein; todavia, poucos seriam tão ousados a ponto de declará-la como sendo irracional. Nós não entendemos como uma vasta quantia de energia pode ser encerrada dentro de um átomo; mas a recente descoberta da bomba atômica prova, fora de qualquer dúvida, que ela está lá. A menos que Deus seja grande demais para a nossa compreensão intelectual completa, Ele certamente seria pequeno demais para satisfazer nossas necessidades espirituais.
Mas embora a doutrina da Trindade apresente um mistério, ela não apresenta uma contradição. Ela afirma que Deus é um em uma respectiva substância ou essência, e que Ele é três considerando as distinções pessoais totalmente diferentes; e a acusação dos anti-trinitarianos de que não existe meio termo entre a posição Unitariana (que afirma a unidade de Deus, mas nega a Deidade de Cristo e a personalidade do Espírito Santo) e a Tri-teísta (que afirma que há três Deuses) é facilmente refutada por este fato. A doutrina da Trindade está acima da razão, e nunca poderia ter sido descoberta pelo homem aparte da divina revelação, todavia, ela não pode ser provada contrariamente à razão, nem inconsistentemente com qualquer outra verdade que sabemos concernente a Deus.
Além disso, não podemos ver como alguém pode insistir que a doutrina da Trindade pareça irracional a uma pessoa normal, quando na realidade o Panteísmo (que sustenta que cada pessoa e cada coisa que existe é apenas uma das inumeráveis formas em que Deus existe) é a forma de filosofia que tem sido mais largamente difundida e a mais persistentemente sustentada por várias pessoas através dos séculos. Se a mente humana tem sido capaz de conceber Deus como existindo em tal numerosidade infinita de formas, certamente a declaração de que Ele existe em três Pessoas não deveria ser difícil de se crer. O fato é que a doutrina, como apresentada nas Escrituras, demonstra ser eminentemente agradável à razão. A Igreja Cristã histórica, em todos os seus ramos, tem sustentado tenazmente esta doutrina; e da parte dos indivíduos, uma profunda, verdadeira e frutífera fé cristã tem sido encontrada naqueles que tem tido um conhecimento experimental e uma comunhão não somente com Deus o Pai, mas também com Cristo o Filho e com o Espírito Santo, - isto é, nos evangélicos, visto que se distinguem dos Unitarianos e Modernistas.
Lembremos que não estamos sob nenhuma obrigação de explicar todos os mistérios associados com esta doutrina. Nós estamos somente sob a obrigação de expor o que as Escrituras ensinam concernente a ele, e de vindicar o ensino tanto quanto possível das objeções que são alegadas contra ele. Esta é uma doutrina que nunca deve ser apresentada ao incrédulo como um assunto para prova argumentativa, porque ela pode ser aceita somente pela fé, e que somente poder ser apresentada após a pessoa estar convencida de que Deus falou e revelou esta como uma verdade concernente a Ele. Com o Salmista, somos compelidos a dizer: “Tal conhecimento é maravilhoso demais para mim; elevado é, não o posso atingir” (139:6); e com Atanásio: “O homem pode perceber somente a orla do vestido de Deus; o querubim cobre o resto com suas asas”. Mas apesar de não sermos capazes de dar uma completa explanação de nossa fé, nós podemos saber, e deveríamos saber, no que cremos e no que não cremos, e conhecer os fatos e verdades nos quais nossa fé descansa.
Muitas analogias têm sido dadas através dos séculos para ilustrar esta doutrina, mas temos também que admitir que nenhuma delas tem sido de qualquer valor especial e que algumas delas tem sido positivamente enganosas. Algumas das mais comuns são: corpo, alma e espírito; intelecto, emoção e vontade no homem; caule, flor e semente na planta; ovo, larva e borboleta no inseto; sólido, líquido e gasoso na matéria; luz, calor e radiação no sol, etc. Nenhuma destas, contudo, são verdadeiras analogias. Todas elas falham em fazer justiça ao elemento pessoal, particularmente elemento tri-pessoal, na Divindade. A melhor delas, que é a do intelecto, emoção e vontade no homem, apresenta três funções em uma pessoa, mas não três pessoas em uma substância. Aquelas do sólido, líquido e gasoso, ou do ovo, larva e borboleta, não são Cristãs, mas Unitarianas; porque elas apresentam a mesma substância através de três sucessivos estágios.
Visto que não há nada semelhante a Deus, - porque “A quem, pois, podeis assemelhar a Deus? ou que figura podeis comparar a ele?” - , olharemos em vão para qualquer explicação da Trindade, seja na estrutura de nossas próprias mentes ou na natureza sobre nós. Nós recebemos isto somente porque esta verdade é ensinada nas Escrituras, e da mesma forma ela está sendo ensinada aqui. Como Lutero disse concernente a esta doutrina: “Nós deveríamos, como pequenas crianças, gaguejar o que as Escrituras ensinam: que o Pai é verdadeiramente Deus, que Cristo é verdadeiramente Deus, e que o Espírito Santo é verdadeiramente Deus, e todavia aqui não há três Deuses, ou três Seres, como há três homens, três anjos ou três janelas”.
Tradução livre: Felipe Sabino de Araújo Neto
Cuiabá-MT, 22 de Março de 2003.
