Déficit de Atenção

por

Ricardo Barbosa de Souza



Ninguém jamais se sentirá verdadeiro enquanto não for reconhecido como único, e ninguém jamais se sentirá único a não ser na comunhão com outros.

Iniciamos a vida recebendo toda forma de atenção e carinho. Um bebê sempre atrai a atenção de pais, avós, conhecidos. Nossos primeiros passos são marcados pelo cuidado, paciência e carinho alheios. Na primeira fase da vida, somos dependentes e precisamos que alguém nos ajude a andar, a desenvolver habilidades essenciais para a sobrevivência. Na medida que crescemos, vamo-nos tornando pessoas independentes. Andamos com nossas próprias pernas; nos alimentamos sozinhos; resolvemos nossos problemas sem a ajuda dos outros; temos nosso próprio carro e moramos em nossa própria casa. Seríamos, então, independentes. O problema é que, mais cedo do que imaginamos, percebemos que na verdade não somos independentes – somos apenas pessoas solitárias.

Como pastor, ouço com muita freqüência queixas de pessoas que se sentem abandonadas e solitárias. Gente de todo tipo – homens, mulheres, jovens e crianças; pessoas ricas e pobres, empregadas e desempregadas. A sensação comum a todas é de abandono e solidão. Há um déficit de atenção na cultura pós-moderna. Os pobres e desempregados sentem-se abandonados pelo governo e pelos amigos. Pais abandonam seus filhos para correr atrás de suas carreiras, ganhar dinheiro para lhes pagar os luxos que julgam indispensáveis à felicidade deles. Maridos e esposas estabelecem novos modelos de relacionamentos onde nenhum precisa nem depende mais do outro. São independentes – ou melhor, solitários.

Fomos salvos pela atenção de Jesus. Os evangelhos são repletos de histórias que relatam encontros em que Jesus demonstrou que se importava com os mais variados tipos de pessoas. Certa vez, ele interrompeu seus passos no meio de uma multidão para prestar atenção a uma mulher enferma que o havia tocado. De outra feita, Jesus olha para Zaqueu, um homem baixinho, marginalizado pela sua conduta corrupta, e se oferece para ir à sua casa e sentar-se com ele à mesa. Como deixar de lembrar, também, da longa conversa que o Mestre teve com a mulher de Samaria? Ali, à beira de um poço, ele a ouve com atenção e lhe oferece “água viva”. Cristo, também, interrompeu o apedrejamento de uma mulher flagrada em adultério e lhe oferece o seu perdão; acolheu as crianças e se importou com elas, porque delas é o reino dos céus. Ele tocou em leprosos, recebeu prostitutas e alimentou os famintos.

Entre as características mais predominantes dos dias de hoje estão a falta de tempo e a impessoalidade. Os pobres não são pessoas, são um problema e um peso social; só serão reconhecidos e terão algum valor quando conseguirem entrar no sofisticado mundo do consumo. Enquanto isso não acontece, eles se debatem, muitas vezes com violência, para serem reconhecidos e respeitados. Ninguém presta atenção a eles. Seja nos semáforos, na rua ou nas praças, são uma multidão de anônimos.

Os doentes, idosos e portadores de necessidades especiais também sofrem com a profunda desatenção do nosso tempo. Por causa de suas limitações físicas, não podem contar com o mínimo de atenção numa sociedade que tem pressa. Não temos tempo para ouvir as histórias dos nossos avós; não temos paciência para andar ao lado de um deficiente físico; não visitamos mais o amigo enfermo.

Mas mesmo as pessoas fisicamente saudáveis e economicamente bem estabelecidas sofrem com a falta de atenção. Temos presenciado o colapso da família, a frustração dos jovens e a enorme quantidade doenças causadas pela solidão. Os pediatras estão alarmados com o número de crianças deprimidas, angustiadas, entediadas e ansiosas. O iniciação sexual precoce, o aumento da violência e do consumo de drogas e bebidas entre os jovens é um forte sintoma da desatenção que sofrem. Os terapeutas, além do seu trabalho profissional, cumprem hoje o papel dos pais, amigos, e irmãos que não temos mais.

Muitos de nós, cristãos modernos, poderíamos justificar nossa desatenção com os outros dizendo que vivemos noutros tempos – afinal, a vida hoje requer de nós inúmeros compromissos. Vivemos em grandes cidades, freqüentamos grandes igrejas, percorremos diariamente grandes distâncias e temos inúmeros compromissos; enfim, não temos tempo para ninguém. Sói que a hospitalidade é a virtude cristã de se prestar atenção no outro. É a forma como acolhemos, ouvimos, tocamos e criamos o espaço necessário para que o próximo se sinta amado, protegido e aceito. É o lugar onde a pessoa é afirmada como um ser único diante de Deus e que, independente de sua condição física, social ou econômica, é reconhecida pela sua singularidade.

Precisamos resgatar a atenção e a hospitalidade como um ministério da Igreja moderna. Tanto o individualismo como o coletivismo são uma negação da pessoa. O primeiro a subtrai da comunidade e cria a ilusão da auto-realização, transformando-a num ser solitário. O segundo a confunde com a coletividade, transformando-a numa expressão da moda e da cultura. Em ambos os casos, a singularidade é negada. A Igreja é o corpo de Cristo, o lugar onde o pé não pode dizer para a mão que não precisa dela. O que caracteriza este “corpo” é a interdependência e a afirmação que nutrimos uns com os outros. A conversão é a transformação do “eu” solitário num “nós” comunitário. Este novo “nós”, gerado em Cristo Jesus, é construído na medida em que prestamos atenção uns aos outros. Ninguém jamais se sentirá verdadeiro enquanto não for reconhecido como único, e ninguém jamais se sentirá único a não ser na comunhão com outros. A sigularidade de cada pessoa nunca será afirmada na auto-realização, mas na auto-doação .

A atenção que Jesus dispensou às pessoas devolveu a elas sua dignidade pessoal. Da mulher flagrada em adultério ao religioso e bem educado jovem rico, todos receberam o cuidado e a atenção pessoal de Jesus. Suas perguntas foram ouvidas, suas dúvidas foram enfrentadas, suas inquietações foram consideradas e seus dramas pessoais, tratados. Jesus não ignorou nenhum que o procurou. A minha oração é para que o Senhor faça da Igreja um lugar onde cada um é considerado como um ser único diante de Deus e do outro. Para que isso aconteça, que sejamos capazes de prestar atenção uns aos outros, ouvindo histórias, partilhando experiências, dividindo o pão e o vinho e celebrando a graça de Deus.


Ricardo Barbosa de Souza é conferencista e pastor da Igreja Presbiteriana do Planalto, em Brasilia.


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