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O Ministério como Ocupação

Os presbíteros que lideram bem a igreja são dignos de dupla honrab, especialmente aqueles cujo trabalho é a pregação e o ensino, pois a Escritura diz: “Não amordace o boi enquanto está debulhando o cereal”, e “o trabalhador merece o seu salário”. (1 Timóteo 5.17-18)

A Escritura define o ministério do evangelho como trabalho, e o pregador como um trabalhador. Referindo-se ao ministério dos seus discípulos, Jesus diz em Mateus 10, “o trabalhador é digno do seu sustento”, e em Lucas 10, “o trabalhador merece o seu salário”. Paulo ecoa essa forma de pensamento em nossa passagem. E quando ele escreve sobre esse assunto numa carta aos coríntios, ele ilustra esse ponto comparando o ministro com alguém que “serve como um soldado”, ou que “planta uma vinha”, ou que “cuida de um rebanho”, ou que “ara” ou “trilha”. Ele até usa a imagem de um sacerdote que recebe alimento do altar (1 Coríntios 9). Em outras palavras, o ministério é uma ocupação em seu próprio direito, e deve ser considerado como tal em qualquer discussão sobre ministério e salário. Alguém que trabalha no ministério, a despeito de como ele é visto pelo Estado ou pela igreja, é uma pessoa empregada.

Visto que o ministro é uma ocupação, o ministério deve ser pago pelo seu trabalho. As mesmas passagens que definem o ministério como trabalho, como uma ocupação, também associam inseparavelmente esse fato com o direito do ministério receber hospitalidade, abrigo e salário. Paulo é explícito sobre isso: “Da mesma forma, o Senhor ordenou àqueles que pregam o evangelho, que vivam do evangelho” (1 Coríntios 9.14). Assim como um contador ganha a sua vida fazendo contabilidade, ou um cozinheiro preparando alimentos, um ministério ganha igualmente a sua vida realizar o trabalho do ministério, especialmente a pregação. Visto que o ministério é uma ocupação, o dinheiro pago ao ministro deve ser considerado um salário.

Por definição, um salário é algo devido, e não voluntariamente doado. Não é caridade. Visto que o dinheiro pago ao ministro é um salário, isso significa que é algo devido àquele que trabalha por aqueles que recebem o benefício do trabalho. Em sua carta aos coríntios, Paulo refere-se ao direito do pregador receber compensação material por seu trabalho. A partir da perspetiva do ministro, isso é um direito. A partir da perspectiva daqueles que se beneficiam de seu ministério, isso é uma dívida.

Embora o princípio bíblico que um trabalhador merece seu salário se aplique a todas as ocupações legítimas, há uma diferença quando diz respeito ao ministério. Fora do ministério, esse princípio é implementado por acordo humano. Se alguém que recebe o benefício do trabalho nunca concordou em assalariar um trabalhador ou pagá-lo, então o trabalhador não pode gerar tal dívida realizando o trabalho. Em contraste, a dívida devida a um ministro não surge por acordo humano, mas por um mandamento divino que o transcende. Quando Jesus envia seus discípulos para pregar, e quando Paulo pregou o evangelho às pessoas, aqueles que receberam o benefício do seu ministério nunca entraram em acordo de antemão para pagá-los por seu trabalho. De fato, seria impossível assegurar um acordo humano para salário daqueles a quem eles planejavam evangelizar antes de evangelizá-los. A dívida era gerada unicamente por causa da obra feita em benefício deles. Portanto, o ministro não tem apenas uma reivindicação à salário igual a de trabalhadores em outras ocupações, mas uma reivindicação superior.

Visto que um salário é devido ao pastor, aqueles que falham ou recusam em pagá-lo são ladrões e assaltantes, defraudadores, opressores e pecadores. A maldição de Deus está sobre eles. Como Tiago escreve: “Vejam, o salário dos trabalhadores que ceifaram os seus campos, e que vocês retiveram com fraude, está clamando contra vocês” (Tg 5.4). O dinheiro que você economiza negligenciado pagar o pregador testifica contra você, e clama seu pecado ao Senhor dia e noite. O ministro pode ter que arrumar outro emprego fora do ministério por causa de sua avareza e opressão – cada polegada do esforço dele, cada gota de suor, cada suspiro é um testemunho da sua culpa. O Senhor conta contra você cada lágrima que a esposa dele verte. Ele te amaldiçoa por cada pontada de fome que os filhos dele sentem. É uma coisa ímpia que você faz, e o Senhor promete puni-lo por causa de sua crueldade e dureza de coração. Ainda maior é a sua condenação se você advoga a doutrina que um pregador deveria sempre trabalhar sem remuneração.

Algumas vezes membros de igreja cobiçosos e líderes hipócritas apoderam-se do exemplo de Paulo, pelo fato dele ministrar sem remuneração. Contudo, qualquer leitor com uma competência mínima deveria perceber que essa é uma exceção evidente que prova a regra. Primeiro, ele explicou aos coríntios que sua política de pregação sem remuneração era a renúncia de um direito. Isto é, ele tinha o direito de receber pagamento, mas não exerceu esse direito. Se era um direito que ele não exerceu, então era um direito que ele poderia ter exercido. Dessa forma, os coríntios de fato deviam a ele, mas ele perdoou a dívida. Segundo, se era seu direito receber o pagamento, então ele era o único que poderia recusar o pagamento. Os coríntios não tinham o direito privá-lo do pagamento. Terceiro, ele disse que “os irmãos do Senhor e Pedro” (1Co 9.6) exerciam esse direito. A exceção não foi universalmente praticada nem mesmo entre os apóstolos. Quarto, essa política de recusar pagamento estava em vigor só com respeito a certas congregações. Por exemplo, ele aceitou dinheiro dos filipenses, e a linguagem em sua carta para eles indica que ele fez isso pelo menos duas vezes, visto que ali diz que eles enviaram-lhe ajuda “não apenas uma vez, mas duas”.

Quinto, ele deixou claro as suas razões para declinar o pagamento dos coríntios e de certas outras congregações. Quando as razões não se aplicavam, então as exceções não se aplicavam. Ele disse que não exercia seus direitos quando exercitá-los impedisse o evangelho. E as razões que poderiam ter impedir o evangelho seriam imaturidade, má atitude ou falta de discernimento deles. Talvez havia alguns que tinham suspeitas de seus motivos. Isso teria distraído-os de ouvir a mensagem do evangelho. Ou, talvez alguns teriam tentado colocar Paulo sob seu controle se ele tivesse aceitado pagamento deles. Em contraste, os filipenses se consideravam cooperadores com Paulo na disseminação do evangelho, enviando repetidamente dinheiro e suprimentos para ele. Eles tinham um entendimento correto da natureza do trabalho e da relação deles com o pregador. Ao que tudo indica, Paulo não aceitou pagamento de algumas pessoas porque ele as considerava incrédulas ou crentes que sofriam de desenvolvimento retardado. De fato, o ministério de Paulo a eles era um caso de caridade. Você não pede que pessoas retardadas lhe pagem – se possível, você ajudá-las-a sem remuneração.

É verdade que Jesus disse aos discípulos: “Vocês receberam de graça; deem também de graça” (Lucas 10.8). Contudo, imediatamente após isso, ele lhes diz para não trazer nenhum dinheiro ou suprimento extra, pois “o trabalhador é digno do seu sustento”. A declaração diz respeito a como eles deveriam dispensar a mensagem e os poderes do evangelho, e não se eles poderiam aceitar ou não sustento material das pessoas. Isto é, Jesus instruiu-os a realizar o seu ministério “de graça”, mas ao mesmo tempo esperava que todas as suas necessidades fossem supridas pelas pessoas que receberiam o benefício de sua obra. Seu propósito não era dizer que os discípulos deveriam recusar hospitalidade e pagamento, mas que eles não deveriam exigir compensação para cada unidade de trabalho feito ou cada instância de ministério.

Trata-se de uma prescrição de como uma pessoa deveria abordar a obra do ministério. A declaração, “vocês receberam de graça; deem também de graça”, foi feita logo após a comissão para pregar, curar, e expulsar demônios, e novamente, logo antes da instrução para esperar que aqueles que receberiam o ministério pagassem tudo. Em outras palavras, Pedro não poderia dizer a alguém que tinha um demônio: “Eu recebi o poder de Cristo para expulsar esse demônio, mas você deve me pagar essa quantia de dinheiro, ou não irei fazê-lo”. Não, ele devia expulsar o demônio sem cobrar nada, mas após isso, a pessoa que tinha sido liberta estava moralmente obrigada a compensar Pedro por seu trabalho. Ao agir assim, ele não estaria apenas sustentando Pedro, mas testificaria por sua ação que endossava o evangelho de Jesus Cristo.

Suponha que alguém chegue até mim e diga: “Que devo fazer para ser salvo?”. Eu não devo responder: “Eu sei como você pode ser salvo. Pague-me essa quantia de dinheiro e eu lhe direi, mas se você não me pagar, vou deixar você ir para o inferno”. Não, eu devo pregar o evangelho a essa pessoa de graça, sem consideração quanto a se posso obter alguma recompensa material. Minha responsabilidade é ensinar-lhe a verdade, e fazê-lo sem favoritismo, não retendo nada. Sua responsabilidade é me reconhecer como um mensageiro de Deus que lhe traz boas novas que podem salvar sua alma, e então me oferecer sustento material. Como Paulo escreve: “Se entre vocês semeamos coisas espirituais, seria demais colhermos de vocês coisas materiais?” e “O que está sendo instruído na palavra partilhe todas as coisas boas com aquele que o instrui.” (2Co 9.11; Gl 6.6). Quer ele faça a sua parte ou não, eu farei a minha. Se ele é retardado, então eu abrirei mão dos meus direitos em prol do evangelho. Todavia, isso não o livra de sua responsabilidade perante Deus.

Claramente, tudo isso significa que é possível defraudar o ministro do seu justo salário, e isso é frequentemente o que acontece. Mas Deus é fiel. Ele suprirá todas as nossas necessidades de acordo com as suas riquezas gloriosas em Cristo Jesus. Ele vindicará os seus servos, e amaldiçoará aqueles que lhes roubam e oprimem. Portanto, pague os seus ministros. Se eles realizam bem o seu trabalho, pague-os bem, especialmente se trabalharem duro na pregação e no ensino.

Àqueles que trabalham no ministério, vocês não deveriam sentir nenhuma vergonha de receber sustento da parte dos fiéis. Se possível, a quantidade de sustento deveria ser suficiente para sustentar toda a sua família e ministério. Por mandamento de Deus, esse é o seu direito e essa é a obrigação deles. Ao ganhar a sua vida da obra do evangelho, pelo menos tanto quanto possível, vocês estão seguindo o exemplo de todos os apóstolos, incluindo Paulo, e também do Senhor Jesus, que de acordo com Lucas, recebia sustento de um grupo de mulheres. A quantidade de dinheiro envolvida deve ter sido considerável, visto ter sido suficiente para sustentar a vida e as despesas de viagem de pelo menos treze pessoas (Lucas 8.3). Isso não significa necessariamente que todo o dinheiro deles procedesse dessas mulheres, mas o ponto é que eles aceitaram doações de auxiliadores, e que pegaram o suficiente para satisfazer as necessidades de mais de doze homens. De fato, eles tinham quantia suficiente para tornar necessária uma bolsa de dinheiro (João 12.6), e suficiente para dar um pouco aos pobres (parece que os discípulos consideravam isso como rotina; João 13.29), e até mesmo o suficiente para Judas roubar dela sem ser descoberto por alguém (pelo menos a princípio, visto que parece razoável assumir que os outros discípulos teriam reagido se tivessem conhecimento; João 12.6), exceto o Senhor, que conhecia sua verdadeira natureza desde o princípio (João 6.64, 70).

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Fonte: Reflections on First Timothy

Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto

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