O Festival Ching Ming

por

Vincent Cheung

 


(O que se segue é uma correspondência de email editada)

Qual é a posição da Bíblia sobre o “respeito pelos mortos”? Em particular, estou considerando como um cristão deveria se comportar para com a o Festival Ching Ming.

 

Para aqueles leitores que não estão familiarizados com o Festival Ching Ming, uma busca na Internet fornecerá muitos artigos pequenos explicando seu histórico e significado.

No dia deste festival anual, multidões de pessoas visitam o cemitério de seus parentes falecidos para realizar atos de limpeza e adoração.

A adoração realizada por incluir se prostrar diante dos túmulos e orar pelos falecidos, incluindo atualizações sobre as condições dos familiares, e pedidos de bênção e proteção. Há também várias ofertas, incluindo alimento e incenso, queimando um tipo especial de “dinheiro” pelos mortos, ou até mesmo pequenos modelos de papel de vários objetos tais como casas e carros. É crido que por queimar estes objetos, eles são transferidos para a vida futura, onde os falecidos fazem uso deles.

Quando considerando como um cristão deve se comportar para com o Festival Ching Ming, será útil sumarizar primeiro os ensinos bíblicos relevantes ao assunto.

A Bíblia ensina que a pessoa humana consiste de alma, que é a parte incorpórea “interior”, e corpo, que é a parte corpórea “exterior”.

Vários estudiosos cristãos, incluindo alguns proeminentes teólogos reformados, insistem que a Bíblia consistentemente se refere à pessoa humana como uma unidade, isto é, como um, de forma que não devemos fazer uma distinção rígida entre a alma e o corpo, ou identificar a “pessoa” com a alma.

Por exemplo, em uma de suas palestras, Greg Bahnsen se opõe a fazer uma distinção rígida entre a alma e o corpo, ou identificar a “pessoa” com a alma, dizendo que a pessoa humana não é “um fantasma numa máquina”. Quando ele trata da óbvia questão de como a identidade de uma pessoa é, portanto, mantida entre a morte e a ressurreição (visto que a alma está separada do corpo, mas uma “pessoa” consiste supostamente de ambos), ele dá de ombros e chama isso de “mistério”.

Esta evasão é popular com muitos cristãos, e uma favorita dos crentes reformados, usada como licença para afirmar simplesmente quase toda crença falsa que eles não podem defender. Ela não é um mistério se foi claramente revelada na Escritura (veja meu Commentary on Ephesians), mas qualquer coisa parecerá perplexidade quando obscurecida por falsa suposições e pela resistência teimosa de tradições humanas.

(Estou usando Bahnsen somente como um exemplo memorável e surpreendente. O leitor deve notar que há diferentes versões deste erro, afirmados por diferentes teólogos, algumas mais anti-bíblicas do que outras. Considere, por exemplo, a visão de Berkhouwer em seu Studies in Dogmatics.)

Fazer uma distinção clara entre a alma e o corpo, identificar a “pessoa” com a alma, e considerar a alma como superior ou mais importante do que o corpo, é algumas vezes considerado como gnóstico ou a visão “grega”. Mas como Gordon Clark aponta, é freqüentemente inútil simplesmente rotular uma posição como “grega”, visto que os gregos sustentavam toda a sorte de posições sobre vários assuntos que contradizem uns aos outros. Assim, embora alguém possa chamar uma posição de visão de Platão, visão e Aristóteles, e assim por diante, é freqüentemente muito amplo e não acurado simplesmente chamar algo de “grego”.

Em todo caso, a visão oposta, que chamaremos aqui de posição “gnóstica”, considera a matéria como má, ou pelo menos afirma que o mal veio da matéria e não do espírito. Portanto, quando a alma deixa o corpo na morte, há, num sentido real, a libertação da alma ou da pessoa da prisão da carne. Certamente esta visão é anti-bíblica, mas ela não é o resultado necessário de fazer uma distinção entre a alma e o corpo. De fato, alguém pode até mesmo afirmar que a alma é superior ao corpo, e ainda não cair na visão gnóstica, visto que uma coisa boa pode ser superior à outra coisa boa.

É verdade que muitas passagens bíblicas endereçam a pessoa humana como uma unidade singular, assim como também na conversação ordinária; contudo, em nenhum destes exemplos a Bíblia está discutindo a constituição da pessoa humana. Por outro lado, quando a Bíblia endereça a constituição da pessoa humana, ou quando ela se refere à constituição da pessoa humana para estabelecer algum outro ponto, ela sempre fala da pessoa humana como constituindo de duas partes a incorpórea (mente, espírito, coração, etc.) e a corpórea (corpo, carne, etc.).

Embora a expressão seja um pouco rude e pesada, a Bíblia deveras ensina que a pessoa humana é como “um fantasma numa máquina”, que a identidade da pessoa é com a sua alma incorpórea, e até mesmo que a alma é superior ao corpo.

Por exemplo, Samuel apareceu como Samuel a Saul após a morte, mas antes da ressurreição, e Moisés da mesma forma apareceu como Moisés a Cristo, implicando que a identidade da pessoa está associada com a alma incorpórea sem uma conexão necessária com o corpo. Por isso, Jesus disse que não deveríamos temer aqueles que podem matar o corpo e não podem matar a alma, como se os dois fossem diferentes e separados, e que a alma é mais importante (Veja Mateus 10:28; Lucas 12:4–5; 1 Coríntios 5:3, 7:34; Tiago 2:26.).

Há muitas passagens bíblicas claras que apóiam estes pontos para serem negadas por eles, e dizer que a Bíblia sempre se refere à pessoa como uma unidade, sem uma distinção rígida entre a alma e o corpo, e sem falar da alma como a parte superior, pode somente ser a conclusão de um uso seletivo e ilegítimo da Escritura.

Dito isso, permanece que o corpo é importante. Para um cristão, ele é o templo do Espírito Santo (1 Coríntios 6:19), e é o mesmo corpo que será ressuscitado e transformado (1 Coríntios 15:35–58). “Portanto”, Paulo escreve, “glorifiquem a Deus com o seu corpo” (1 Coríntios 6:20). Nós podemos prontamente afirmar tudo isto sem também afirmar a visão anti-bíblica negada acima. Isto é, com pelo apoio bíblico e sem cair na posição gnóstica, nós podemos afirmar que há uma distinção rígida entre a alma e o corpo, que a identidade da pessoa está associada com a alma (mesmo que haja alguma relação com o corpo), e que alma é superior (ou mais importante) ao corpo.

Assim, há razões bíblicas pelas quais nós respeitosamente tratamos e enterramos o corpo de uma pessoa após sua alma ter partido dele. Por causa do que a Bíblia ensina sobre as presentes e futuras funções do corpo, nós não arremessamos simplesmente um corpo humano num container de lixo nem alimentamos animais com ele, o que poderia parecer mais conveniente e prático. Antes, nós o tratamos de uma forma que é consistente com sua importante função na presente vida, e com nossa antecipação da futura ressurreição e julgamento.

É verdade que Deus pode produzir um corpo mesmo que ele tenha sido cremado ou lançado como comida aos animais, de forma que não estamos tentando fazer a tarefa da ressurreição mais fácil para a Onipotência de maneira nenhuma! Antes, entre outras razões bíblicas, o tratamento e enterro apropriado do corpo é um sinal da antecipação do crente da ressurreição e do julgamento.

É com este entendimento bíblico da constituição da pessoa humana, da importância do corpo, e da antecipação da ressurreição e do julgamento, que devemos formular crenças, práticas e tradições permitidas e encorajadas para os cristãos, e também avaliar aquelas que estão relacionadas ao Festival Ching Ming.

É possível tratar e enterrar o corpo bem, cuidar do local do túmulo, e até mesmo chorar pelos mortos, sem ser idólatra ou supersticioso. Nós podemos fazer estas coisas em memória da pessoa e em fé para com Deus, sem violar os ensinos da Bíblia. Dito isto, devemos cuidadosamente não nos aventurar em pensamentos e práticas anti-bíblicas enquanto realizamos algo que deve ser bíblico quando apropriadamente realizado.

Por exemplo, há uma grande diferença entre falar carinhosamente da pessoa falecida e falar carinhosamente para a pessoa falecida esta é a diferença entre a santa conversação e a necromancia. Assim, enquanto estamos de luto pelos mortos e choramos pela nossa perda, não devemos dizer algo que se dirija diretamente à pessoa falecida, ou dizer algo com a crença de que a pessoa falecida possa nos ouvir. Em adição, não devemos dirigir à pessoa morta qualquer aparência de adoração, tais como nos ajoelhar diante do seu túmulo, ou oferecer incenso e vários sacrifícios.

Como uma nota adicional, segue-se do exposto acima que a veneração católica de santos, de Maria e de anjos não é nada menos do que necromancia. É uma abominação que deve ser condenada nos mais duros e extremos termos. Ser um católico é ser um nigromante.

Além disso, considere a prática de requerer perdão ou conceder perdão aos mortos como um exercício psicológico. Isto é recomendado por alguns psicologistas e conselheiros “cristãos” como um modo de tratar as “questões não resolvidas” entre os vivos e os mortos, isto é, para o benefício psicológico e alívio do aconselhado. Mas isso também é necromancia. Naturalmente, pode ser uma forma fraca de necromancia, sem demonstração demoníacas espetaculares e efeitos catastróficos imediatos, mas o princípio é o mesmo. Quaisquer assuntos não resolvidos [com pessoas que já morreram], podem e devem ser tratados entre o cristão e o Seu Deus.

Agora que já consideramos os ensinos bíblicos relevantes, parece que a questão do Ching Ming já foi respondida na sua maior parte. Resta-nos somente fazer algumas aplicações específicas.

Em geral, não devemos participar de nada que ao menos implique que concordemos com crenças idólatras, supersticiosas e anti-bíblicas. Mas parece impossível participar do Ching Ming e evitar fazer tal implicação ao mesmo tempo, isto é, ao menos que você esteja constantemente declarando sua oposição a toda crença e prática anti-bíblica, realizadas durante o dia inteiro, aos seus familiares e outras pessoas ao redor.

Eu concordo que é mentalmente e fisicamente possível evitar todas as crenças e práticas anti-bíblicas mesmo que você tenha que acompanhar sua família até o cemitério durante o Ching Ming, mas a questão não é sempre o que você está pensando e fazendo, mas a impressão que você está dando a outras pessoas, e as inferências que você está permitindo que elas façam (1 Coríntios 8:4–13; 10:19–33).

Assim, considere as coisas que você evitar e recusar você não deve ajudar sua família a levar itens idólatras ao cemitério, ou ajudá-los a acender o fogo para queimar os sacrifícios, e você não deve nem ao menos ficar ao lado dos seus familiares de uma forma que implique sua aprovação a medida que eles oferecem adoração idólatra e prática necromante. Este desafio aberto contra o Ching Ming gerará grande ofensa, mas algo menos do que isto seria comprometedor.

Assim como você não deve ficar ao redor de uma estátua de Buda de uma forma que implique crença em sua realidade ou poder como se prostrar diante dela ou tirar os sapatos você não deve assistir ao túmulo de alguém de uma forma ou num contexto que implique crença ou compromisso com idéias anti-bíblicas. Contudo, consistente com os ensinos bíblicos que temos considerado acima, não há nada de errado em assistir ao túmulo de alguém por si só tais como retirar as ervas daninhas ao redor dele ou limpar a pedra do túmulo. O que estou dizendo é que é difícil fazer tudo isto durante o Ching Ming sem implicar que você está realizando mais do que um procedimento prática e com uma mentalidade bíblica.

Portanto, ao menos que você possa encontrar alguma forma de claramente estabelecer sua oposição à idolatria e superstições associadas com o Ching Ming, é melhor se abster de toda participação.

Em alguns casos, esta postura pode levar a intensos conflitos com seus familiares. Há algumas coisas que você pode fazer para reduzir estes conflitos. Por exemplo, você pode sugerir que você visitará o cemitério sozinho ou com sua família um outro dia, de forma que não pareça que você está desprezando a própria memória dos seus ancestrais. Certamente, mesmo então, você deve se distanciar de todas as práticas anti-bíblicas quando você estiver no cemitério.

Também, você deve explicar as razões bíblicas de se abster destas práticas, e expor o evangelho à sua família. Algumas vezes, especialmente após suas repetidas declarações contra a idolatria e superstição terem sido ignoradas ou até mesmo repreendidas, pode ser apropriado renunciar vigorosamente as tradições idólatras e condenar duramente seus parentes por estas crenças e práticas abomináveis.

Você está numa posição para fazer isto especialmente se você já tiver se mudado da casa dos seus pais e tiver se tornado o cabeça de sua própria família. De fato, como o cabeça de sua própria família, você tem tremenda autoridade, a qual você deve exercer para reforçar preceitos bíblicos no lar e para protegê-la de invasores espirituais.

Muitos homens escolhem-se de medo diante dos seus pais e dos seus sogros, até mesmo em questões religiosas que afetam suas esposas e filhos. Oh, que covardes! Uma vez que você se tornou o cabeça de sua casa, você tem a plena autoridade para estabelecer um lar cristão e para excluir toda abominação. Seus pais e seus sogros devem agora interagir com sua família em seus termos isto é, nos termos bíblicos e se eles recusarem, você tem plena autoridade para expulsá-los de casa. Assim, não se lamente ou resmungue quando seus parentes incrédulos irritam sua alma, oprimem sua esposa, e iludem suas crianças. Você pode acabar com tudo isso HOJE.

(Eu sou o único que sabe isto ou ousa falar desta maneira? Este aspecto da autoridade do marido e dever é raramente ensinado. É necessário que seja ensinado pois o marido precisa exercê-la, a esposa precisa se submeter a ela, e, antes de tudo, o casal deve saber sobre ela antes de se casarem. Em adição, esta autoridade e responsabilidade deve ser especificada e reconhecida por ambas as partes nos votos de casamento. Agora, o marido tem a autoridade quer ela tenha sido ensinada ou reconhecida de antemão ou não, mas aprender e reconhecê-la antes de se casar ajuda evitar problemas mais tarde.)

O que quer que você faça, a menos que você comprometa sua fé ou pelo menos os conversos de sua família, sempre haverá conflito e perseguição (Mateus 10:34–39; 2 Coríntios 6:14–18). Nós não devemos temer isto, mas ousadamente confrontá-las com alegria, zelo e esperança.


LEITURA RECOMENDADA:

Vincent Cheung, Systematic Theology

Vincent Cheung, Godliness with Contentment

Gordon Clark, The Biblical Doctrine of Man

 

 


Nota sobre o autor: Vincent Cheung é o presidente da Reformation Ministries International [Ministério Reformado Internacional]. Ele é o autor de mais de vinte livros e centenas de palestras sobre uma vasta gama de tópicos em teologia, filosofia, apologética e espiritualidade. Através dos seus livros e palestras, ele está treinando cristãos para entender, proclamar, defender e praticar a cosmovisão bíblica como um sistema de pensamento compreensivo e coerente, revelado por Deus na Escritura. Ele e sua esposa, Denise, residem em Boston, Massachusetts. http://www.rmiweb.org/


Traduzido por: Felipe Sabino de Araújo Neto
Cuiabá-MT, 11 de Junho de 2005.


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