A Parábola da Rede

por

Simon Kistemaker



Mateus 13:47-50

O reino dos céus é ainda semelhante a uma rede que, lançada ao mar, recolhe peixes de toda espécie. E, quando já está cheia, os pescadores arrastam-na para a praia e, assentados, escolhem os bons para os cestos, e os ruins deitam fora. Assim será na consumação do século: Sairã os anjos e separarão os mau dentre os juntos, e os lançarão na fornalha acessa; ali haverá pranto e ranger de dentes”.

Somente o Evangelho de Mateus registra a parábola da rede. [1] Está claramente associada à parábola do trigo e do joio; a interpretação de ambas focaliza o dia do juízo final. Ainda assim, ficam evidentes diferenças importantes. Na parábola do joio, Jesus acentuou a idéia de paciência. Essa idéia não aparece na parábola da rede. [2]

A parábola do joio é mais descritiva. Ela menciona o fazendeiro, seus servos, e os ceifeiros, mas na parábola da rede apenas os pescadores e suas tarefas são mencionadas. O joio é semeado no campo depois que o fazendeiro já tinha plantado o trigo, ao passo que os peixes próprios para serem consumidos, e os impróprios, estão sempre juntos no Mar da Galiléia. A parábola do joio descreve as condições do campo, no presente, e a ceifa como um acontecimento futuro. A parábola da rede, por outro lado, retrata a separação dos peixes, no presente. [3]


A Pesca


A maior parte dos discípulos de Jesus era de pescadores por profissão; tinham deixado suas redes e seus barcos para seguir Jesus e se tornarem pescadores de homens. Quando Jesus lhes contou a parábola da rede, compreenderam cada nuança da história. Jesus se referiu exatamente ao modo de vida que levavam antes.

A margem norte do Mar da Galiléia é um dos melhores lugares de pesca, em Israel. As plantas arrastadas pela correnteza do rio Jordão são depositadas na enseada, ao norte. Essas plantas atraem e alimentam cardumes vastos e variados. Vinte e cinco espécies nativas, pelo menos, já foram identificadas naquele lado. [4]

Embora houvesse várias maneiras de pescar, nos dias de Jesus, um dos mais eficientes era o uso de arrastão. Esse tipo de rede tinha dois metros de largura e perto de cem metros de comprimento. Tinha cortiça na parte superior para mantê-la à tona e pesos na parte inferior, para mantê-la ao fundo. Às vezes, os pescadores fixavam uma das extremidades da rede na praia, enquanto um barco puxava a outra ponta pelo lago, fazendo uma curva e trazendo a rede de volta à praia. Outras vezes, saíam dois barcos da praia, formando um semicírculo com a rede; juntos, os homens a puxavam para apanhar os peixes e juntá-los nos barcos. O uso do arrastão exigia a força de seis homens ou mais. Enquanto uns remavam, outros lançavam ou puxavam a rede e outros ainda batiam na água para guiar os peixes com a rede. [5]

Pescadores experimentados procuravam localizar um bom cardume antes de começar a pescar. Mas, uma vez lançada a rede, os homens puxavam todos os peixes apanhados por ela. Obviamente, os peixes estavam misturados, pois não podiam selecioná-los, enquanto pescavam. [6]

A rede apanhava os peixes próprios e impróprios para o consumo — os bons e os maus. Peixes de todos os tipos e tamanhos se debatiam ao serem puxados para a praia. Muitas espécies eram consideradas impuras, de acordo com as normas de alimentação dos judeus. Peixes sem barbatanas e sem escamas não podiam ser comidos (Lucas 11:10), e tinham que ser lançados de volta à água. Os peixes pequenos, também, eram abandonados. Somente os peixes em condição de serem negociados eram apanhados e colocados em recipientes adequados. A classificação dos peixes, enfim, determinava o valor da pesca; até à hora da escolha, era impossível avaliar o lucro obtido.


Explicação

Jesus usa a parábola da rede para descrever o dia do juízo. Ele se dirige a seus discípulos que sabiam como apanhar e selecionar os peixes. Ele fala a linguagem deles e consegue, assim, comunicar efetivamente uma verdade espiritual. Jesus faz, ainda, uma breve interpretação da parábola. “Assim será na consumação do século: sairão os anjos, e separarão os maus dentre os justos, e os lançarão na fornalha acesa; ali haverá choro e ranger de dentes” (Mateus 13:49,50). As palavras são quase idênticas àquelas usadas por Jesus e sua interpretação da parábola do trigo e do joio. “Pois, assim como o joio é colhido e lançado ao fogo, assim será na consumação do século. Mandará o Filho do Homem os seus anjos, que ajuntarão do seu reino todos os escândalos e os que praticam a iniqüidade e os lançarão na fornalha acesa; ali haverá choro e ranger de dentes” (Mateus 13:40-42).

Argumentar que a interpretação da parábola da rede não se ajusta aos termos da própria parábola, porque os peixes impróprios para serem comidos são jogados de volta à água, e não em uma fornalha acessa, é ilógico. Do mesmo modo, alguém poderia afirmar que a interpretação da parábola do trigo e do joio é inadequada, pois o joio não range os dentes. Jesus usa linguagem simbólica e transfere a mensagem da parábola para o destino espiritual do homem: céu ou inferno. Na parábola do trigo e do joio, o destino do homem é o céu, onde os justos resplandecerão como o sol, ou o inferno, onde há choro e ranger de dentes.

A interpretação dada omite todos os pormenores descritivos a respeito dos pescadores lançando a rede e trazendo para a praia o produto da pesca; apenas a separação dos peixes bons, daqueles sem valor, é explicada. Portanto, não é prudente usar a própria interpretação para os detalhes da parábola. [7] Os pormenores fazem parte do quadro total do produto da colheita. A rede traz todos os peixes apanhados, e os pescadores, simplesmente, não podem escolher enquanto pescam. Do mesmo modo, os seguidores de Jesus, escolhidos para serem pescadores de homens, não têm como selecionar quando e a quem proclamar o evangelho. Usando as palavras de outra parábola, os servos saem pelas ruas e reúnem todos os que se encontram, tanto bons como maus (Mateus 22:10). O apelo do evangelho é dirigido a todos, sem discriminação.

Na parábola da rede, os pescadores lançam a rede, juntam o que conseguiram apanhar, e separam os peixes. [8] Na interpretação são os anjos que vêm e separam os ímpios dos justos. Assim, podemos deduzir que os pescadores, também, pertencem à multidão da qual os anjos recolherão os ímpios. Os ímpios serão retirados da multidão dos justos.

O termo ímpio é abrangente: ele se refere, também, àquelas pessoas que na aparência fazem parte da igreja, mas no íntimo não têm qualquer ligação com a verdadeira igreja. Com a boca confessam o Credo dos Apóstolos, mas em seus corações não possuem a fé genuína em Jesus Cristo.

Essas pessoas são como aquelas descritas na parábola do semeador: têm seus corações endurecidos (o solo à beira do caminho); são cristãos apenas superficialmente (o solo rochoso); amam os bens e os prazeres do mundo (o solo cheio de espinheiros). Estão na igreja, mas não pertencem a ela. No dia do juízo final, os anjos de Deus virão e os separarão do povo de Deus, e os lançarão no fogo ardente reservado para eles.

O que a parábola ensina? Diz aos seguidores de Jesus: vão à sua tarefa diária de testemunhar aos outros, onde quer que estejam; tragam-nos para a igreja; façam com que se lembrem sempre da necessidade da fé e do arrependimento; que eles estejam atentos para o dia do juízo, quando, então, a separação entre o ímpio e o justo acontecerá.

Mateus, apropriadamente, fecha a série de sete parábolas (sete é o número da perfeição) com a parábola da rede. Essa última parábola lembra, uma vez mais, o dia dos dias, quando se dará o juízo final. [9]

O escritor da Epístola aos Hebreus resume sucintamente: “E, assim como aos homens está ordenado morrerem uma só vez, vindo, depois disto, o juízo, assim também Cristo, tendo-se oferecido uma vez para sempre para tirar os pecados de muitos, aparecerá segunda vez, sem pecado, aos que o aguardam para a salvação” (Hebreus 9:27,28).

 

Notas:

[1] - No Evangelho de Tomé, Citação 8, encontramos uma parábola semelhante, uma cuja ênfase difere radicalmente: “E ele disse: O homem é como um pescador que lançou sua rede ao mar; ele a recolheu quando estava cheia de pequenos peixes. Entre eles o pescador achou um peixe grande. O pescador sensato lançou de volta ao mar todos os pequenos peixes (2) escolheu o grande, sem dificuldade. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça”.

[2] - Mánek, Frucht, p. 50. Ver, também, Jeremias, Parables, p. 256.

[3] - Michaelis, Gleichnisse. pp. 68-69. Consulte, também, B. Gerhardsson, “The Seven Parables in Mattew XIII”, NTS 19 (1972-1973): 18-19.

[4] - G. Cansdale, Animals of Bible Lands (Grand Rapids: Zondervan, 1970), p. 216. Consulte, também, Dalman, Arbeit und Sitte, 4: 351, que faz referência a vinte e quatro espécies.

[5] - Há uma interessante descrição a respeito em W. O. E. Oesterley, The Gospel Parables in the Light of Ther Jewish Background, (New York: Macmillan Co., 1936), pp. 85-86.

[6] - Dodd, Parables, p. 188.

[7] - Por exemplo, Lenski, em Mattew's Gospel, p. 547, diz que a “rede é o Evangelho”.

[8] - Em um curto e interessante estudo, J. Mánek, “Fishers of Men”, NovT 2 (1958): 138-141, mostra que há inimizade entre o mar e Deus (Ap. 21:1). “Porque o mar é lugar de revolta contra Deus, ele não pode participar do mundo novo, no futuro. Ele passará juntamente com outros poderes demoníacos, como está demonstrado na visão do novo céu e da nova terra, em Ap. XXI.1”, p. 139. Os pescadores de homens, portanto, os resgatarão de um ambiente hostil a Deus.

[9] - Veja W. F. Albright e C. S. Mann, Matthew (New York: Doubleday, 1971), p. cxliv.

 

Fonte: As Parábolas de Jesus, Simon Kistemaker, Editora Cultura Cristã: páginas 79-83. Clique aqui para comprar!

 


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