A Visão de Anselmo da Expiação como Satisfação

por

Robert L. Reymond, Ph. D.



Em 1098 d.C., Anselmo (1033-1109), Arcebispo de Canterbury, completou a maior de suas obras, Cur Deus HomoPorque Deus se fez homem? — não um volume, per se, sobre as duas naturezas de Cristo, no qual alguém esperará encontrar a evidência sendo apresentada para a completa deidade e a completa humanidade de Cristo. Antes, ele é um tratado sobre a Expiação, no qual ele rejeita a teoria anciã (e também medieval) de que a morte de Cristo foi um resgate pago ao diabo e, ao invés disso, interpreta a morte de Cristo, à luz da justiça e misericórdia de Deus, como uma satisfação (satis, “suficiente”; facio, “fazer”) vicária oferecida a Deus o Pai, como o representante legal da Trindade, pelos pecados do mundo. Em uma palavra: Anselmo argumenta que Deus não devia nada ao diabo e seus servos. Era a honra de Deus que requeria reparação. Ele claramente viu que eram as exigências levantadas a partir do pecado do homem, de sua natureza depravada, de sua culpa real diante de Deus e de sua incapacidade de render satisfação por si mesmo, que fizeram a Encarnação e a obra da cruz de Cristo necessárias.

Anselmo argumentou que o pecado do homem, por falhar em render a Deus aquela conformidade a Sua vontade, que as criaturas racionais Lhe devem, insulta a honra de Deus e faz o ofensor responsável por uma satisfação. Visto que desonrar o infinito Deus é pior do que destruir incontáveis mundos, até mesmo o menor pecado tem um desvalor infinito, o qual nenhum bem criado pode compensar por meio de uma satisfação. Embora a natureza de Deus impeça que Seus propósitos sejam ou possam ser frustrados pela resistência da criatura, Sua justiça requer que Ele não faça vistas grossas para uma ofensa tão grande contra Ele. Assim, Anselmo considerou: (1) porque somente Deus pode fazer o que é imensuravelmente digno, (2) porque os seres humanos (diferentemente dos anjos caídos) fazem parte de famílias biológicas, e (3) porque a justiça permite que uma ofensa cometida por um membro da família, seja compensada por outro, ficando em seu lugar — se, dada essas circunstâncias, Deus, então, tornou-se um membro da família humana, Ele pode transferir a dívida do homem para Ele. Eis aí então a necessidade da encarnação para Anselmo.

Para aprimorar, o terrível pecado do homem ofendeu a honra do infinitamente santo Deus, e os justos requerimentos de Sua justiça ofendida demandam satisfação. Mas esta satisfação não pode ser feita por seres humanos ou por um anjo; mas deve ser realizada por um ser humano, já que são os pecados dos seres humanos que devem ser removidos das vistas de Deus. O autor de Hebreus, sob inspiração, declara este fato desta maneira:

Portanto, visto que os filhos participam da carne e do sangue, Ele também participou dessa humanidade...Porque, na verdade, Ele não tomou os anjos, mas tomou a descendência de Abraão. Por esta razão era necessário [opheilen] que Ele se tornasse semelhante a seus irmãos em todos os aspectos, para se tornar sumo sacerdote misericordioso e fiel nas coisas referentes a Deus e fazer propiciação pelos pecados do povo (Hebreus 2:14-17).

Mas, visto que todo pecado, como dissemos, carrega dentro de seu íntimo um desvalor infinito, visto que ele é um assalto contra o Deus infinitamente santo, e visto que ele merece a ira e a maldição [1] infinita de Deus, uma satisfação completa requer uma recompensa que pode ser adquirida somente por um pagamento de infinito valor. Tal pagamento, contudo, não pode ser feito por nenhum ser humano, seja através de outro ser humano pecador, ou até mesmo através de toda a raça humana; mas somente por um Ser reconhecido com infinito valor diante de Deus, a saber, pelo próprio Deus! O Único que faz tal satisfação deve, portanto, não ser somente humano, mas também Deus. Daí, a necessidade do Deus-homem, Cristo Jesus, nosso Senhor. E por causa de Sua natureza divina, de acordo com o seu decreto eterno [2], comungar com, e, portanto, concorrer com os sofrimentos de sua natureza humana na única pessoa de Cristo, a obra de redenção, o mérito da obra de Sua cruz é de infinito e eterno valor [3]. O autor de Hebreus declara:

Ora, tem havido muitos desses sacerdotes, porque a morte os impede de continuar em seu ofício; mas, visto que vive para sempre, Jesus tem um sacerdócio permanente. Por isso, Ele é capaz de salvar definitivamente aqueles que, por meio dele, aproximam-se de Deus, pois vive sempre para interceder por eles. Um sumo sacerdote assim supre [eprepen] nossas necessidades um que é santo, inculpável, puro, separado dos pecadores, exaltado acima dos céus (Hebreus 7:23-26).

Quanto mais, então, o sangue de Cristo, que pelo Espírito eterno se ofereceu de forma imaculada a Deus, purificará a nossa consciência de atos que levam à morte, de modo que possamos servir ao Deus vivo...De fato, segundo a Lei, quase todas as coisas são purificadas com sangue, e sem derramamento de sangue não há perdão. Portanto, era necessário [Ananke] que as cópias das coisas que estão nos céus fossem purificadas com esses sacrifícios, mas [era necessário que] as próprias coisas celestiais [sejam purificadas] com sacrifícios superiores a estes. Pois Cristo não entrou em santuário feito por homens, uma simples representação do verdadeiro; Ele entrou no próprio céu, para agora se apresentar diante de Deus em nosso favor (Hebreus 9:14, 22-24).

Foi neste estado de coisas — o homem originalmente criado bom, mas agora caído, totalmente corrompido pela desobediência deliberada, e incapaz de render satisfação por si mesmo — que Anselmo contendeu contra as mentiras atrás e mostrou a necessidade da Encarnação e da obra da cruz de Jesus Cristo.


NOTAS:

[1] — Tomás de Aquino, Suma Teológica, Ia2ac. 87, 4, acertadamente declara: “...a magnitude da punição é compatível com a magnitude do pecado...Agora, um pecado que é contra Deus é infinito, quanto maior a dignidade da pessoa contra quem ele é cometido, maior a gravidade do pecado — é mais criminoso atacar um cabeça do estado do que um cidadão privado — e Deus é de infinita grandeza. Portanto, uma punição infinita é merecida para um pecado cometido contra Ele”.

[2] — João Calvino, As Institutas da Religião Cristã, II. xv.I, escreve: “Ao discutir o mérito de Cristo, não consideramos o princípio do Seu mérito existente nEle, mas nos voltamos para o decreto de Deus, a causa primeira. Porque Deus, por Seu puro beneplácito, Lhe apontou como Mediador, para obter salvação para nós. Portanto, é absurdo colocar o mérito de Cristo contra a misericórdia de Deus. Porque é uma regra comum que uma coisa subordinada a outra, não seja conflitante com ela. Por esta razão, nada nos impede de asseverar que o mérito de Cristo, subordinado à misericórdia de Deus, também intervém para o nosso benefício. Tanto o favor de Deus como a obediência de Cristo, cada um em seu grau, estão apropriadamente opostas às nossas obras. Aparte do beneplácito de Deus, Cristo não poderia merecer mérito algum; mas Ele mereceu, visto que Ele tinha sido apontado para apaziguar a ira de Deus com o seu sacrifício, e para apagar nossas transgressões com a Sua obediência”.

[3] — Deve ser notado aqui que a obra da cruz de Cristo, embora de infinito valor e, portanto, suficiente para salvar incontáveis mundos tais como o nosso, foi particularista em seu desígnio e, assim, é salvificamente eficiente somente para os eleitos.

 

Fonte: Robert L. Reymond, A New Systematic Theology of the Christian Faith (Nashville: Thomas Nelson Publishers, 1998), Apêndice D.



Traduzido por: Felipe Sabino de Araújo Neto
Cuiabá-MT, 02 de Setembro de 2004.

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