Quem Pode Ministrar os Sacramentos?

por

Rev. Moisés Bezerril



Nosso interesse no momento é fazer as devidas considerações teológicas sobre a exclusividade da celebração dos sacramentos aos ministros devidamente ordenados.

Minha metodologia não consiste em construir uma teologia em cima de rumos históricos-sociais que por acaso a igreja venha a tomar devido a multiforme coloração do fenômeno social universal através da história, pois se assim procedermos teremos uma Bíblia para cada época da história da humanidade, e seu conteúdo será determinado pela inconstante e turbulenta mutação do fenômeno humano sobre a terra, além do mais não teremos nenhum instrumento aferidor da própria teologia recém formulada porque até mesmo tal instrumento estará superado em algum ponto da história.

Meu procedimento metodológico será adotar confessionalmente as Sagradas Escrituras, a partir de sua exegese, considerando que ela seja imutável em seus princípios espirituais que governam a igreja de Cristo desde o início da expansão do evangelho aos gentios e dos princípios que governam uma igreja característicamente judaico-gentílica.

Portanto nosso paradigma será sempre a revelação de Deus em Sua Palavra.

Passemos então à análise das objeções feitas à atual hermenêutica da Igreja Reformada:

OBJEÇÃO: Um dos argumentos levantado para a ampliação da ministração dos sacramentos, dando oportunidade à outras pessoas que não são ministros devidamente ordenados é o texto de Mt 18:18-20. Então, argumenta-se, que se Jesus ordenou aos seus discípulos, ou seja, a todos os seus seguidores que haviam crido nele, conclui-se que esta ordem é normalmente para os seguidores de Jesus e não especificamente para o “clero”.

RESPOSTA: Há uma uma grande diferença entre os chamados “irmãos comuns” da atual igreja em debate e os discípulos que conviveram com Jesus. Aqueles discípulos não eram crentes comuns ou equivalentes a qualquer crente de nossa época. Quando eles foram chamados e comissionados para a ministração do batismo, a partir daquele momento eles não eram mais “irmãos comuns”, e sim apóstolos, evangelistas e oficiais divinamente comissionados por Jesus. Quem hoje é comissionado daquela maneira? Sabemos com certeza que quando alguém se levanta afirmando tal coisa, logo cai em descrédito com credenciais de falso profeta.

Aqueles crentes foram chamados e comissionados extraordináriamente, enquanto que hoje nós somos chamados ordináriamente. O chamado extraordinário não existe mais.

A continuidade daqueles ministérios é feita hoje de maneira ordinária através da convicção interna e evidências externas conferidas pela igreja.

Isso indica que se lá teve que haver um comissionamento por Cristo, por Deus, pelos apóstolos, e mais tarde pela igreja, e isto de maneira extraordinária, então hoje, a ministração dos sacramentos deve obedecer sempre a um comissionamento ordinário, feito por Deus e confirmado pela igreja.

Não há um só texto nas Escrituras que nos ensine que pessoas não comissionadas participavam da ministração dos sacramentos. Vejamos alguns supostos exemplos:


SACRAMENTO DO BATISMO

FILIPE - Diz-se normalmente que Filipe não recebeu qualquer encargo especial para ministrar o batismo do eunuco de Candace, no entanto o fez como um leigo.

Primeiro, a idéia de um encargo para ministrar batismo é algo da nossa época, não da era apostólica. Os que batizavam lá eram comissionados diretamente por Deus, não importando se eram apóstolos ou não. Aliás, as Escrituras não afirmam que só os apóstolos batizavam, mas só os que eram comissionados extraordianriamente por Deus, ou eram indicados pelos apóstolos, aos quais foi dado poder para comissionar também. Uma prova disto é que Barnabé também é chamado de apóstolo juntamente com Paulo, e Lucas em seu registro, não tem nenhum cuidado em explicar que tipo de apóstolo ele era. Filipe foi comissionado por Deus ( Atos 8:26, 39): O anjo do Senhor o chamou e enviou, logo a seguir o Espírito o arrebatou. Eis o seu comissionamento para tal. Não é sábio reivindicar um comissionamento para qualquer crente moderno tendo por base o comissionamento da era apostólica. São duas coisas muito diferentes. Devemos acrescenar que Filipe também era diácono eleito da igreja

ANANIAS - Ananias é outro discípulo comissionado direto pelo Senhor para curar e batizar a Paulo. Ele não era um crente sem comissionamento, no meio da multidão, que batizava, mas alguém escolhido e chamado por Deus para tal missão, (At 9:10-11,15).

A CASA DE CORNÉLIO - É bem verdade que Pedro estava presente ali, bem como o texto nada afirma que outras pessoas estivessem batizando alí.

ZÍPORA - Quando circuncidou seu filho (Ex 4:25). Sobre ela devemos entender que isto é um exemplo isolado e foi realizado por uma mulher de um temperamento violento e num momento de ira, o que não deve ser imitado pelos crentes.


O SACRAMENTO DA SANTA CEIA

O MODELO PATRIARCAL DE ISRAEL - Argumenta-se que Israel celebrava a páscoa nos lares e os ministrantes eram os pais das famílias, e quando Jesus ordenou que continuassem com o sacramento certamente eles continuaram com a mesma prática.

Este argumento sofre de uma falta de informação teológica muito séria. O argumentador parece não entender que Israel, desde a instituição da páscoa vivia debaixo de uma teocracia, e que foi nessa época que Deus ordenou a celebração pascoal às famílias. Mas isso era um preceito somente para Israel como o povo exclusivo da revelação. Certamente esse costume judaico não foi continuado pelos cristãos da igreja apostólica pelos seguintes motivos:

1) Em Israel predominava a religião da família. Todos sem exceção eram judeus nascidos, ensinados e praticantes na religião revelada. No Novo Testamento esse conceito de religião em família é praticamente esfacelado quando todas as nações são chamadas. Não são famílias que se convertem com a pregação apostólica, mas sim indivíduos. Assim, dificilmente haveria uma instituição do sacramento para ser celebrado em famílias porque somente alguns se convertiam dentro das famílias gentílicas, o que até hoje podemos constatar em nossas igrejas. I Coríntios trata de problemas na igreja que nascem exatamente desse alargamento da religião revelada somente aos judeus em direção aos gentios, esposas crentes e maridos incrédulos, maridos crentes e esposas incrédulas (I Co 7). É impossível falar-se de sacramento em famílias no Novo Testamento ao estilo do Velho Testamento. Certamente este modelo era incapaz de ser continuado a partir de Pentecostes.

2) A páscoa era diferente em alguns aspectos da santa seia. A páscoa era somente para Israel e alguns peregrinos estrangeiros que deveriam ser circuncidados para participarem daquele sacramento. Certamente que a páscoa era o sacramento familiar, daquela família com exclusividade, mas a santa ceia é o sacramento de todas as famílias juntas ao mesmo tempo. Não existe mais aquela exclusividade de Isarel como o povo da promessa, o que era também explicitado pela maneira como eram administrados os sacramentos. Tanto o batismo quanto a santa ceia assinalam um alargamento da religião de Israel. Certamente a páscoa não foi continuada e sim a ceia, com celebração característica da nova aliança. Dizer que qualquer pessoa na igreja podia ministrar a santa ceia com base na continuidade do modelo pascoal do Velho Testamento é pura conjectura teológica.

O GRANDE NÚMERO DOS CONVERSOS - Este argumento consiste em dizer que o número de cristãos depois de pentecostes era muito grande para se reunir nos lares e ter os apóstolos sempre com eles. Portanto, certamente que os próprios crentes faziam a celebração daquele sacramento.

A isto respondo que durante aquela época os apóstolos não estavam ainda em missões intinerantes. Eles estavam com o povo todo tempo ensinando-os, até que fossem eleitos os diáconos para auxiliar em tarefas menores que o povo poderia estar fazendo, mas até isso eles achavam que era da alçada dos apóstolos (At 6:1-7). Não duvido que alguém, além dos apóstolos tenha ministrado a ceia naqueles dias, mas certamente se o fez, foi sob comissão extraordinariamente direta de Deus ou comissionados pelos apóstolos. Mas a verdade é que ninguém poderia ocupar uma função tão importante sem uma comissão.

Se celebrar a santa ceia e o batismo fosse algo como ser presidente da UPA ou UMP, ou ser regente de um coral, ou qualquer outra função na igreja que qualquer pessoa poderia desempenhar, então estes sacramentos não deveriam ter um lugar tão especial e tão restrito à pessoas comissionadas e com credenciais divinas de seus chamados. Dessa maneira os sacramentos não deveriam ser ministrado apenas por gente tão bem escolhida. Como posso imaginar que Filipe e Ananias eram crentes comuns se eles participaram da história da salvação?

Os sacramentos sempre são tratados nas Escrituras como sendo algo ministrado apenas por pessoas comissionadas. Não está claro nas páginas do Novo Testamento que eles eram ministrados por qualquer um. A igreja hoje, se guia exatamente por este princípio, entendendo que hoje permanece aquele aspecto ordinário daqueles dons e comissões dados aos apóstolos e cristãos do primeiro século (John Owen). Portanto, se eles lá eram comissionados para tal função pela voz do Pai, do Filho e do Espírito, aqui nós somos comissionados pela vocação da Palavra de Deus confirmada invisível e visívelmente na vida da igreja. Como geralmente se diz que As Escrituras em nenhum lugar afirma que os sacramentos são privacidade dos pastores, deve-se salientar também que em nenhum lugar elas dizem que pessoas sem serem comissionadas devam ministar-lhes. No livro de Atos percebemos que a igreja caminhou rumo a uma certa organização que exigia a eleição de determinadas pessoas para determinadas funções. Em todas as áreas de vida e governo da igreja as pessoas não estavam num dispositivo tal que qualquer pessoa pudesse assumir o lugar da outra dentro do organismo eclesiástico. A primeira prova disto é que os dons são dados distintamente a cada um. A segunda prova é que a igreja do Novo Testamento sempre foi conduzida por um tipo de “clericalismo” apostólico e profético, sem falar no sacerdote, levita e profeta do Velho Testamento. Só eles eram apóstolos e profetas. O círculo estava fechado. Ninguém mais podia entrar. Dons e funções eram exclusivos deles e de mais ninguém. A igreja sempre conviveu com uma forma de controle de sua própria vida organizacional. Uma das razões porque os sacramentos são exclusividades dos ministros é devido ao abuso que inevitavelmente nós chegaríamos. Se a igreja deve abrir para outras pessoas ministrarem os sacramentos, certamente que ela não permitirá qualquer um fazer isso quando bem entender. Logo fará uma escolha de alguém que seja capaz para tal função, e mesmo que essa pessoa não seja capacitada para isto, ainda assim a igreja proverá um meio de torná-la capaz para essa tarefa. Mas se ela escolhe e treina, capacitando-o acima dos outros congregados, não estaria ela fazendo já uma distinção clerical entre estes “distintos” e os demais irmãos comuns e incapacitados? Não é assim mesmo que já procedemos a tanto tempo: pessoas incapacitadas são escolhidas e treinadas dentre a multidão? Depois da escolha e do treinamento, inevitavelmente, os leigos deixaram de ser leigos para serem “clérigos”, pois agora constituem uma classe distinta e especial para um fim especial.

Creio que a única maneira de evitar-se um clericalismo na igreja seria abrir para que todos, sem nenhuma exceção, pudesse ocupar o lugar de qualquer outra pessoa dentro da igreja sem nenhuma distinção. Isto certamente é impossível. Portanto o ideal de tornar a ministração dos sacramentos algo ao alcance de todos sem clericalismo é pura utopia.

1. GRUDEM, Wayne, SISTEMATIC THEOLOGY, Zondervan
2. BRAKEL, Wilhelmus à, THE CHRISTIAN REASONABLE SERVICE, Soli Deo Gloria, v.III
3. HODGE, AA, THE CONFESSION OF FAITH, The Banner of Truth
4. OWEN, John, THE WORK OF THE SPIRIT, The Banner of Truth


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