O Arminianismo de John Wesley

por

Rev. Ewerton Barcelos Tokashiki



Não se pode afirmar que o Arminianismo corrente é o mesmo que em sua forma original. O Arminianismo evangélico atual difere em alguns pontos da teologia dos Remonstrantes. [1] Para entendermos essa transição é necessário analisar o Arminianismo filtrado pelo movimento Metodista que popularizou e tornou “evangélico” esse sistema sinergista. O movimento Metodista teve em sua liderança Charles e John Wesley e George Whitefield. Mas dos três John Wesley era o principal. [**]

A formação educacional de John Wesley influenciou a sua mentalidade teológica. Quatro fatores podem ser considerados contribuintes para o seu Arminianismo. Primeiro, embora a sua família fosse de origem puritana, eles receberam do seu pastor um ensino arminiano. [2] Segundo, mesmo tendo recebido uma ordenação para o pastorado anglicano, sua formação teológica não foi rigidamente calvinista. [3] E último, é necessário considerar que a sua conversão somente ocorreu após a sua ordenação pastoral.

A sua concepção do Cristianismo foi moldada por leituras de obras arminianas e místicas sobre a santificação e perfeccionismo. Na parte introdutória do seu livro Explicação Clara da Perfeição Cristã John Wesley reconhece que

no ano de 1725, quando tinha 23 anos, chegou às minhas mãos o livro do Bispo de Taylor “Regras e Exercícios para Viver e Morrer Santamente”. Algumas partes deste livro me afetaram grandemente, especialmente a parte deste livro que tratava da pureza da intenção. (...) No ano de 1726, li “A Imitação de Cristo” de Kempis. A natureza e a extensão da religião interior, do coração, apresentou-se-me com maior clareza do que nunca. (...) Depois de um ano ou dois, chegaram-me às mãos “A Perfeição Cristã” e “Sério Apelo para uma Vida Devota e Santificada”, ambos da autoria de Law. [4]

A teologia de Wesley diferia basicamente da ênfase dos arminianos originais em alguns pontos importantes. Paul K. Jewett verifica que a teologia de Wesley acerca do “pecado original não era uma simples debilidade moral, como ocorria com os arminianos clássicos, mas uma depravação que requeria a graça de Deus para a salvação”. [5] Contudo, Wesley continuava inconsistente em seu raciocínio teológico, pois também cria numa capacidade natural do homem de autodeterminar-se, contra ou a favor de Deus, e que unida à graça preveniente, era em si suficiente para se converter, podendo o homem também resistir à aplicação ou continuidade dessa graça.

John Wesley e George Whitefield foram precursores do movimento Metodista, mas possuíam discordâncias acerca das doutrinas da graça. Como ministros anglicanos, fizeram seus votos de juramento na ordenação. Entretanto, Wesley discutiu criticamente o artigo XVII dos Trinta e Nove Artigos da Igreja Anglicana, que é a declaração sobre “predestinação”. [6] George Whitefield se manteve fiel aos Trinta e Nove Artigos, que é uma confissão calvinista. Logo no início, com os primeiros metodistas, surgiu uma divisão entre os que tendiam aos conceitos arminianos de Wesley, e os que preferiam os de Whitefield, como calvinista. Não era um cisma institucional, mas ideológico. [7]

A oposição de Wesley contra Whitefield deu-se após terem iniciado o seu ministério itinerante como pregadores ao ar livre, a partir de 1739. Wesley esperou que ele viajasse, e publicou um áspero sermão contra a doutrina da predestinação, deixando claramente a sua discordância. Whitefield publicou uma réplica com o título A Letter to the Rev. Mr. John Wesley in Answer to His Sermon Entituled Free Grace” (1740). Este momento foi “o divisor das águas” que veio causar o cisma entre os fundadores do movimento Metodista. [8]

Além de Whitefield houve outro ministro anglicano que rebateu as teses arminianas de Wesley. Augustus Toplady era contra os ensinos de Wesley. Houve entre eles uma cerrada batalha teológica, a ponto de a discussão chegar ao nível pessoal, com recíprocos insultos e ofensas verbais. [9] Contudo, regularmente nos debates teológicos, Wesley era defendido por outros teólogos que tomavam partido com ele, como Walter Sellon e Fletcher de Madeley.

Infelizmente John Wesley não organizou o seu pensamento teológico.[10] Não possuímos um tratado teológico sistematizado escrito por ele, o que torna difícil analisá-lo. Contudo, podemos utilizar as obras [11], deixadas por ele para análise do seu pensamento.

Somente em sua segunda geração de teólogos o movimento Metodista se tornou, de fato, sistematizado doutrinariamente. Richard Watson (1781-1833) produziu o primeiro tratado sistemático do pensamento de Wesley, em sua obra Theological Institutes (1823) que serviu como livro-texto nos cursos das Escolas de Estudo da Igreja Episcopal Metodista e da Igreja Episcopal Metodista do Sul, desde 1870 até o início do século XX. [12] Watson é considerado por A.A. Hodge como sendo “incomparavelmente um teólogo mais competente do que Wesley, e é menos contrastante com o Calvinismo da Assembléia Westminster em relação ao sistema posterior dos Remonstrantes, e podendo ser designado pelo qualificativo de ´Arminianismo evangélico´”. [13] Contudo, tanto Watson como os teólogos posteriores continuaram fiéis à posição arminiana de John Wesley, sendo esta a herança teológica de todos os Metodistas.


[**] Nota do autor: Conheço a falsa tese de que Whitefield era “discípulo” de Wesley. Não concordo com ela! Whitefield se converteu antes de Wesley!!!! Ambos eram cooperadores na organização do “movimento Metodista”. Tanto em eloqüência quanto em biblicidade Whitefield era muito superior a Wesley.

Wesley era o principal do Metodismo de linhagem arminiana! Obviamente não era o principal do Metodismo galês, que é calvinista, fundado por Whitefield. Permita-me justificar minha tese com algumas evidências óbvias:

1. Os Metodistas mencionam, mas não reverenciam Whitefield como o fazem com Wesley!

2. Todos os Metodistas arminianos, inclusive historiadores, atribuem as origens da denominação a Wesley, não à Whitefield! Whitefield foi o primeiro a pregar ao ar livre. Foi o primeiro a convocar o povo inglês a ter uma santificação através de “métodos” (daí o nome metodista).

3. Whitefield era melhor evangelista e orador do que o seu companheiro. Mas Wesley  se dedicou a organizar as “congregações Metodistas” na Inglaterra e na Colônia nos EUA. Enquanto, que Whitefield se dedicou a implantar congregações na Irlanda e País de Gales. Os Metodistas que se desenvolveram, e se esparramaram pelo mundo afora, foram os do EUA e da Inglaterra.

4. A astúcia política-administrativa de Wesley em organizar mais congregações e treinar obreiros para dirigi-las foi melhor do que Whitefield.

5. A hinologia de Charles e John Wesley foi um forte recurso para “doutrinar” os membros das congregações Metodistas.

6. O próprio documento oficial unificador mundial Metodista reza que os padrões doutrinários dos Metodistas devem ser dirigidos e interpretados pelos escritos de John Wesley. Foi a isto que me referi quando disse que Wesley “era o principal” entre eles como um líder. Mas devemos lembrar que Wesley e Whitefield romperam a amizade por muitos anos, por causa de suas convicções doutrinárias. Então, não se permitiram liderar um pelo outro!


Nota do site:
Não deixe de ler o excelente artigo do Dr. Lloyd-Jones criticando a visão popular sobre a proeminência de John Wesley. Clique aqui para ler

NOTAS:


[1] - Remonstrantes é como os discípulos de Jacobus Arminius ficaram conhecidos por causa do seu protesto chamado Remonstrantia . Estes são os arminianos originais.

[2] - Martin D. Lloyd-Jones, Os Puritanos (São Paulo, PES, 1993) pp. 212-218.

[3] - Os 39 Artigos de Fé da Religião Anglicana é essencialmente Calvinista. Este documento é exigido na ordenação dos clérigos anglicanos. Embora John Owen (1616-1683 d.C.) pertencesse a geração anterior de ingleses calvinistas e seus escritos, juntamente de muitos outros teólogos tivessem minado a influência arminiana na Inglaterra, o Arminianismo não havia sido erradicado.

[4] - João Wesley, Explicação Clara da Perfeição Cristã (São Bernardo do Campo, Imprensa Metodista, 1984), p. 7-8.

[5] - Paul K. Jewett, Elección y Predestinación , p. 18.

[6] - Walter Klaiber & Manfred Marquardt, Viver a Graça de Deus – Um Compêndio de Teologia Metodista (São Bernardo do Campo, Editeo, 1999) p. 237.

[7] - O cisma se consumou quando a Igreja Metodista Calvinista Gaulesa fundada por Whitefield se tornou uma Igreja Presbiteriana.

[8] - R.K. Mc Gregor Wright, A Soberania Banida, p. 35.

[9] - Mateo Leliévre, João Wesley: Sua Vida e Obra (São Paulo, Ed. Vida, 1997) p. 251 e também a p. 260.

[10] - R.W. Burtner e R.E. Chiles, Coletânea da Teologia de Wesley, no prefácio afirmam que “Wesley não foi um teólogo sistemático como foi, por exemplo, Calvino. Na sua vida muito ativa ele raramente estudou uma doutrina suficientemente de modo a dar forma organizada e adequada a todos os seus pormenores.” p.7.

[11] - Os “Fundamentos Doutrinários da Igreja Metodista”, lê-se no Art. 2º ., Cap.I, 1 o ., o seguinte: “a tradição doutrinária metodista orienta-se pelo Credo Apostólico, pelos Vinte e Cinco Artigos de Religião do Metodismo Histórico e pelos Sermões de João Wesley e suas Notas sobre o Novo Testamento”. Walter Klaiber & Manfred Marquardt, Viver a Graça de Deus – Um Compêndio de Teologia Metodista, p. 461.

[12] - P.A. Mickey, Richard Watson in: Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, vol. III, p. 640.

[13] - A.A. Hodge, Outlines of Theology (Edinburgh, The Banner of Truth Trust, 1991) p. 106.


Rev. Ewerton B. Tokashiki
tokashiki@ronnet.com.br
Pastor da Igreja Presbiteriana de Cerejeiras – RO
Prof. de Teologia Sistemática do STBC – Extensão Ji-Paraná

Agradecemos o autor pelo envio e permissão da publicação do presente artigo. O Rev. Tokashiki, pela graça de Deus, é um dos nossos colaboradores.


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