A História da Doutrina da Expiação Limitada

por

R. Scott Clark


[...]

A doutrina da expiação definida não é peculiarmente calvinista. Ela é uma doutrina que tem sido sustentada por alguns dos maiores mestres da tradição cristã, entre eles Agostinho, Próspero de Aquitaine, Gottschalk, Pedro o Lombardo, Tomás de Aquino, bem como Calvino e toda a tradição calvinista após ele. Deveria ser lembrado também que a natureza da controvérsia sobre a extensão da expiação tem mudado de certa forma desde o aparecimento do Arminianismo, os Remonstrantes e a resposta do Sínodo de Dort (1618-19). Nas discussões antes de Dort, frequentemente encontra-se os elementos da doutrina da expiação definida, mas porque a questão não estava tão focada como ela se tornou no inicio do século 17, as respostas não foram tão detalhadas como elas seriam mais tarde. Essa é a natureza do desenvolvimento da doutrina cristã: a controvérsia frequentemente produz a precisão teológica.


1. Agostinho (354-430)

Agostinho de Hipona, o maior de todos os pais da igreja, ensinou a maioria dos elementos da expiação definida e foi o “primeiro grande defensor da eficácia e do particularismo da graça de Deus”. (8) Em sua controvérsia com os Pelagianos e mais tarde como os semi-Pelagianos, Agostinho, certamente, rejeitou a doutrina do livre-arbítrio (liberum arbitrium) em favor da predestinação absoluta e com sua doutrina da predestinação ele ensinou também que Jesus não morreu por todas as pessoas que já viveram. (9)


2. Próspero (aproximadamente 390-460)

Agostinho tinha um grupo de defensores, entre eles um teólogo francês, que estava vivendo em Marselha na época da erupção da controvérsia semi-Pelagiana em 426. De 431 a 434 ele escreveu vários livros contra os semi-Pelagianos. Próspero foi explícito que, num sentido, com respeito à sua encarnação e a queda de todos os humanos, Cristo podia ser dito ter morrido pelo mundo todo. Todavia, pode também ser dito que Cristo “foi crucificado somente por aqueles que se beneficiam de sua morte”. (10)

Alguns pensam que ele abrandou de certa forma sua visão nos anos seguintes a 432, pois ele não podia reconciliar aquelas passagens na Escritura nas quais Deus revela a si mesmo como desejando a salvação de todos, com suas noções anteriores da dupla predestinação. (11) Ele ensinou (450) que os pecadores tinham o poder para rejeitar a graça divina, e que eles são os mesmos que são preteridos. Aqueles que crêem, contudo, são aqueles que são eleitos. (12) Somente aqueles que são eleitos chegam à fé.

Parece que eles entenderam incorretamente seu argumento incipiente sobre o que seria mais tarde chamado de “A Livre Oferta do Evangelho”. (14) Deus se revela como desejando o que nós sabemos que ele não decretou, a salvação de todos. (15) Alguns ele ignora e outros ele elege para fé. Prova de que ele estava ensinando uma versão seminal da livre oferta é que em diversas das mesmas passagens onde ele afirma a vontade divina de salvar, ele imediatamente se move para uma discussão sobre pregação. (16) Da mesma forma, quando ele diz que Cristo morreu por todos os homens, ele deixa claro que o todos equivale a “pecadores”, de forma que ele não estava necessariamente ensinando uma expiação universal (17). [Nota do tradutor: Sobre a incoerência da livre oferta nesse sentido, ou seja, sustentar que Deus deseja a salvação de todos, clique aqui].


3. Gottschalk (aproximadamente 804-869)

No meio da controvérsia sobre a natureza da soberania de Deus, Godescalc de Orbais defendeu Agostinho vigorosamente e sofreu por isso. Ele ensinou que havia dois “mundos”, aquele que Cristo tinha comprado com seu sangue e aquele que ele não tinha comprado. Assim, quando a Escritura diz que Cristo morreu pelo “mundo” (e.g., João16), isso é extensivo a todos aqueles que Cristo realmente redimiu, mas isso não inclui todos os que já viveram. (18) Da mesma forma, aquelas passagens que parecem dizer que Cristo morreu por todos, de todos os tempos e lugares, devem ser entendidas como se referindo a todos os eleitos. Assim, ele viu 1 João 2:2 não como uma passagem problemática, mas como um texto-prova para a expiação definida. (19)


4. Pedro, o Lombardo (1100-1160)

O ensino de Lombardo sobre a expiação é mais famoso por seu uso da distinção entre a suficiência da morte de Cristo e sua eficiência. Embora elas não sejam familiares para muitos de nós hoje, desde sua publicação no final do século 12 até o final do século 16, as Sentences de Pedro foram o texto teológico mais importante no mundo de fala latina. Os estudantes de teologia até ganhavam graus de Bacharel e Mestre nas Sentences .

No Livro 3, distinção 20, ele ensinou que a morte de Cristo foi “suficiente” para redimir todos (quantum ad pretii), mas “eficiente” somente “para os eleitos” (pro electis). (20) Essa distinção, embora não seguida por todos teólogos do Ocidente após Lombardo, foi adotada pela maioria até que o movimento nominalista (e.g., William de Ockham, d. 1347) derrubou a “Velha Escola” (via antiqua). (21)


5. Tomás de Aquino (1224/5/6-74)

Em sua grande obra, Summa Theologiae, Tomás distinguiu entre a vontade de Deus considerada como sua vontade antecedente, pela qual ele poderia dizer que ele tinha desejado a salvação de todos; e sua vontade considerada como conseqüente, isto é, o que ele realmente decretou que acontecesse, isto é, que somente os eleitos fossem salvos e que alguns fossem reprovados (condenados). (22) Mais tarde, os teólogos protestantes revisaram essa distinção para se referir à vontade revelada e oculta. Com respeito à vontade revelada, Deus é dito desejar certas coisas (isto é, que ninguém pereça). É em sua vontade revelada que deveríamos conhecer a existência de um decreto oculto (quem será salvo e quem perecerá), mas o conteúdo desse decreto é parte de sua vontade oculta.

Tomás também deixa muito claro que ele adotou a distinção suficiente/eficiente de Lombardo, mas também ensinou sem ambigüidade que Cristo morreu eficazmente somente pelos eleitos. (23)

Não é nossa reivindicação de que todos, em todo lugar, sustentaram essa doutrina, mas a doutrina da expiação definida tem sido amplamente sustentada e ensinada por alguns dos teólogos cristãos mais importantes da história da igreja. Não pensamos que isso seja conclusivo, mas esse fato nos ajuda a colocar a discussão da doutrina no contexto devido.

[...]

 

NOTAS:

8. W. R. Godfrey, “Tensions Within International Calvinism” (Ph.D. Diss. Stanford University, 1974), 72.

9. See W. R. Godfrey “Tensions”, 72-4; J. Rainbow, The Will of God and the Cross , 9-22.

10. Defense of St. Augustine , trans. P. DeLetter, in Ancient Christian Writers vol.32 ( London , 1963), 16. Veja também, “Tensions”, 75.

11. De vocatione , 2.1-2.

12. De vocatione , 1.24

13. De voc , 2.12

14. De voc , 1.20; 2.3-4.

15. De voc , 2.25.

16. De voc , 2.2-4

17. De voc , 2.16.

18. Veja Rainbow, The Will of God , 26.

19. Rainbow, ibid, 27.

20. Godfrey, “Tensions”, 76.

21. Embora eu não o tenha lista, Anselmo de Canterbury (aproximadamente 1033-1109), a quem todos os Reformadores seguiram em sua doutrina substitutiva da expiação, parece implicar uma expiação definida por toda a sua obra, Why the God-Man ? ( Cur Deus Homo ). Veja Cur Deus Homo , 2.19.

22. Thomas Aquinas, Summa theologiae , 1a.19.6.

23. Thomas Aquinas, ST 3a.48.1,2,6; 3a.49.1. Veja também Rainbow, Will, 34-46 onde ele mostra que Wycliffe e Hus também ensinaram a expiação definida.

 

Fonte: Extraído e traduzido de Limited Atonement, de R. Scott Clark. Leia o texto completo (em inglês) clicando aqui.



Traduzido por: Felipe Sabino de Araújo Neto
Cuiabá-MT, 23 de Outubro de 2005.


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