A Doutrina Reformada da Predestinação

por

Loraine Boettner, D.D.a

 


Capítulo 7 - Esboço dos Sistemas



Há, na verdade, somente três sistemas que alegam apresentar um caminho de salvação através de Cristo. São eles:

(1) Universalismo, que sustenta que Cristo morreu por todos os homens e que eventualmente todos serão salvos, seja nesta vida ou através de uma provação futura. Esta visão talvez apele mais fortemente aos nossos sentimentos, mas não é Bíblica, e nunca teve nenhum suporte de qualquer igreja Cristã organizada.

(2) Arminianismo, que sustenta que Cristo morreu igual e indiscriminadamente por todo indivíduo da raça humana, por aqueles que perecem não menos que por aqueles que são salvos: que a eleição não é um ato incondicional e eterno de Deus; que a graça salvadora é oferecida a todo homem, graça esta que ele pode receber ou rejeitar, conforme lhe aprouver; que o homem pode com sucesso resistir ao poder regenerador do Espírito Santo caso ele escolha fazê-lo; que a graça salvadora não é necessariamente permanente, mas que aqueles que são os amados de Deus, indistintamente por Cristo, e nascidos de novo do Espírito Santo, podem (deixe Deus querer e lutar ao máximo contra) jogá-la fora e perecer eternamente.

O Arminianismo na sua forma radical e mais fortemente desenvolvida é essencialmente uma recrudescência do Pelagianismo, um tipo de “salvação própria”. Na verdade, a origem do Arminianismo pode ser rastreada até o Pelagianismo, tão definitivamente quanto o Calvinismo pode ser rastreado até o Agostinianismo. Pode ainda ser, talvez, mais apropriadamente, chamado de “Pelagianismo”, considerando-se que os seus princípios vieram a existir aproximadamente mil e duzentos anos antes que Armínio nascesse. O Pelagianismo nega a depravação humana, e a necessidade da graça eficaz, e exalta a vontade humana acima da divina. “Suas doutrinas satisfizeram o gosto natural do ser humano, odiando, como todos homens odeiam, a doutrina da depravação universal. Dizer que o homem poderia crescer santo e imaculado, que ele poderia assegurar para si próprio a graça de Deus, e ater-se à salvação por um ato de sua própria e livre vontade, foi ensinamento que atraiu, tanto quanto ainda atrai, milhares”. [1]

O Arminianismo é, no máximo, uma tentativa vaga e indefinida de reconciliação, flutuando no meio do caminho entre os destacados sistemas de Pelágio e de Agostinho, eliminando as fronteiras de cada um, e pendendo ora na direção de um, ora na direção do outro. O Dr. A. A. Hodge refere-se ao Arminianismo como um “sistema de compromisso elástico e multifacetado”. Sua idéia principal é que a graça divina e a vontade humana, juntas completam o propósito da conversão e santificação, e que o homem tem o direito soberano de aceitar ou rejeitar. Afirma que o homem é fraco como resultado da queda, mas nega que toda a habilidade tenha sido perdida. O homem, portanto, meramente precisa da graça divina para assistir (ajudar, complementar) seus esforços pessoais. Ou, colocando de uma outra forma, ele é doente, mas não morto; ele realmente não pode ajudar a si mesmo, mas ele pode receber a ajuda de um médico, e pode tanto aceitar como rejeitar a ajuda, quando oferecida. Ele, assim, tem poder para cooperar com a graça de Deus no que se refere à salvação. Esta vista exalta a liberdade do homem à custa da soberania de Deus. Tem alguma autoridade Bíblica aparente, mas não real; e é cabalmente contradita por outras partes das Escrituras.

A história mostra plenamente que a tendência do Arminianismo é comprometer e afastar gradualmente de uma base evangélica. Assim é que até hoje um corpo lógico e sistemático de teologia Arminiana nunca foi desenvolvida. Há, na Igreja Metodista por exemplo, um credo breve e informal, em aproximadamente vinte e cinco artigos; mas o contraste entre aquele testemunho e a cuidadosamente desenvolvida Confissão de Westminster é visto num relance.

(3) O terceiro sistema que apresenta um caminho de salvação através de Cristo é o Calvinismo. O Calvinismo sustenta que, como resultado da queda no pecado, todos os homens são culpados, corrompidos, completamente perdidos; que daquela massa caída, Deus soberanamente elege alguns para a salvação através de Cristo, enquanto que a outros não; que Cristo foi enviado para redimir o Seu povo com uma reconciliação puramente substitutiva; que o Espírito Santo eficazmente aplica esta redenção aos eleitos; e que todos os eleitos são infalivelmente trazidos à salvação. Somente esta visão é consistente com a Bíblia e com o que nós vemos no mundo ao nosso redor.

O Calvinismo sustenta que a queda deixou o homem totalmente incapaz de fazer qualquer coisa para merecer a salvação, que ele é totalmente dependente da graça divina para a geração e o desenvolvimento de uma vida espiritual. A grande falta do Arminianismo é o seu reconhecimento insuficiente da parte que Deus toma na redenção. O Arminianismo gosta de admirar a força e a dignidade do homem; o Calvinismo se perde na adoração da graça e da onipotência de Deus. O Calvinismo posiciona o homem nas profundezas da humilhação e do desespero, de modo a elevá-lo nas asas da graça até uma força sobrenatural. Um bajula o orgulho natural; o outro é um evangelho para pecadores penitentes. Como aquele que exalta o homem à sua própria vista e ri das suas gracinhas é mais bem-vindo ao coração natural do homem do que aquele que o rebaixa, o Arminianismo provavelmente provará ser mais popular. Ainda assim o Calvinismo está mais próximo dos fatos, não obstante quão dolorosos, desagradáveis e proibitivos tais fatos possam parecer. “Não é sempre que a medicação mais agradável venha também a ser a mais eficaz. A experiência do apóstolo João é um exemplo vívido, quando o livrinho teve sabor tão agradável como o mel na boca, mas amargo no estômago. Cristo crucificado foi pedra de tropeço para uma classe de pessoas e loucura para outra, e ainda assim Ele era, e é, o poder de Deus e a sabedoria de Deus para a salvação de todo aquele que crê”. [2]

Os homens constantemente desapontam-se por postular seus próprios sentimentos e opiniões peculiares como axioma moral. Para alguns é evidentemente verdadeiro que um Deus santo não possa permitir o pecado; assim eles inferem que não há Deus. Para outros é evidente que um Deus misericordioso não pode permitir que uma parte de Suas criaturas racionais sejam para sempre vítimas do pecado e da miséria, e conseqüentemente negam a doutrina do castigo eterno. Alguns assumem que inocentes não podem justamente serem punidos pelos culpados, e são levados a negar o sofrimento e morte vicários e substitutivos de Cristo. E para outros é um axioma que as ações livres de agentes livres não possam ser certas e estar sob o controle de Deus, então negam a pré-ordenação, ou mesmo a presciência, de tais atos.

Não temos a liberdade, contudo, de desenvolver um sistema ao nosso capricho. “A questão de qual desses sistemas é verdadeiro”, diz o Dr. Charles Hodge, um advogado zeloso e inflexível do Calvinismo, “não é para ser decidido por averiguar-se qual é o mais agradável aos nossos sentimentos ou o mais plausível ao nosso entendimento, mas qual é consistente com as doutrinas da Bíblia e os fatos da experiência”. “É o dever de cada teólogo subordinar suas teorias à Bíblia, e ensinar não o que lhe pareça ser verdadeiro ou razoável, mas simplesmente o que a Bíblia ensina”, e novamente, “não haveria o fim da controvérsia, nem segurança de qualquer verdade que fosse, se às fortes convicções pessoais de mentes individuais fosse permitido determinar o que é, ou o que não é verdadeiro, o que a Bíblia pode, e o que não pode ser permitido que ela ensine”. [3]

Como no caso das outras doutrinas que são comuns ao sistema cristão, não há lugar na Bíblia onde estas doutrinas Calvinistas distintivas sejam estabelecidas de uma forma sistemática e completa. A Bíblia não é uma obra de Teologia Sistemática, mas somente a pedreira da qual a pedra para tal tempo pode ser obtida. Ao invés de prover-nos com um testemunho formal de um sistema teológico, ela nos dá uma massa de matéria-prima que precisa ser organizada e sistematizada e trabalhada até as suas relações orgânicas. Em nenhum lugar, por exemplo, nós encontramos um testemunho formal da doutrina da Trindade, ou das pessoas de Cristo, ou da inspiração das Escrituras. Ela nos dá um relato da origem do povo Hebreu e dos fundamentos do Cristianismo, e os fatos doutrinários são dados com pouca referência às suas relações lógicas. Estes fatos precisam ser classificados e arranjados num sistema lógico e assim transformados em teologia. Este fato, de que o material na Bíblia não está ordenado num sistema teológico, está de acordo com o proceder de Deus em outros aspectos. Ele não nos deu um sistema totalmente desenvolvido de biologia, ou astronomia, ou política. Nós simplesmente encontramos os fatos não organizados, não arranjados, não ordenados na natureza e na experiência e temos então de desenvolvê-los num sistema o melhor que pudermos. E visto que as doutrinas não são, portanto, apresentadas de uma maneira formal e sistemática, fica muito mais fácil o aparecimento de falsas interpretações.

 


NOTAS:

[1] - Warburton, Calvinism, p. 11.
[2] - McFetridge, Calvinism in History, p. 136.
[3] - Systematic Theology, II, pp. 356, 559, 531.


Tradução livre: Eli Daniel
Revisão: Felipe Sabino de Araújo Neto


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